terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro [2011]


(de Phyllida Lloyd. The Iron Lady, Reino Unido, 2011) Com Meryl Streep, Jim Broadbent, Susan Brown, Alice da Cunha, Phoebe Waller-Bridge. Cotação: *

Um verdadeiro banho de água fria. De maneira mais resumida possível, basicamente é isso o que fica de “A Dama de Ferro”, filme que nos manteve ansiosos por longos meses a fio, só para ver mais um trabalho esplêndido de Meryl Streep, que desde o projeto inicial, acho que já apontava uma chance forte de um Oscar vindo por aí, mesmo com o recorde absoluto de outras 16 indicações, tendo ganhado apenas duas delas, e isso há quase trinta anos (!), por “A Escolha de Sofia”. Para o melhor caso, Meryl realmente está esplêndida, intocável, fenomenal... (eu poderia acabar com todos os adjetivos somente na tentativa de dar o devido valor para uma das melhores atrizes que eu conheço). Auxiliada por uma maquiagem também merecedora de prêmios, Meryl acabou aceitando um desafio que não se resume à composição de uma figura polêmica, mas pelo próprio projeto, que tem como diretora a mesma que a dirigiu na bomba que foi “Mamma Mia!” (2008). Ou seja, Meryl nadou em águas perigosas, mas acabou encontrando um bote seguro.

Eu até entendo a dificuldade que deve ser contar uma biografia, ainda mais quando o biografado ainda está vivo, mas a escolha da roteirista Abi Morgan (a mesma de “Shame”) pareceu ser uma das mais discutíveis. O filme concentra-se numa Margaret Thatcher debilitada, senil e anônima. Conversa com o marido morto e sofre pela ausência dos filhos (embora a sua primogênita tente a ajudar). Através de flashbacks amarrados de forma estranhíssima, vemos a juventude dessa poderosa mulher, ainda quando era uma simples filha de comerciantes, com a oportunidade de ouro ao ser aceita na Universidade de Oxford. Já demonstrando um grande ímpeto de liderança e um entusiasmo até então incomum para uma garota, ela vai construindo uma trilha política muito bem pensada, sempre com um ideal almejado. Até que ela chega ao histórico posto de primeira-ministra da Grã-Bretanha (a primeira e até agora única mulher a conseguir esse feito), cargo no qual ela se manteve de 1979 a 1990.

Não me impressiona o grande rebuliço que o filme vem causando, principalmente no Reino Unido. Margaret Thatcher, sendo bem justo, foi sim uma figura importantíssima para a política. E jamais diria que ela não merecesse uma cinebiografia. Muito pelo contrário, até acho que pessoas tão controversas quanto ela merecem sim a devida atenção no cinema. O que eu questiono nesse filme são os fracassos em manter uma descrição segura quanto a ela. Eu posso dizer, sem medo de nada, que se dependesse somente da obra, eu não conheceria Margaret Thatcher. Nem em sua essência, nem como figura política. O que vi foram algumas tentativas de humanizá-la, como uma idealização sentimentalóide, ao mostrá-la como uma mãe inconsolável escrevendo dezenas de cartas às famílias dos soldados mortos numa guerra (a das Malvinas) que ela mesma articulou, ou na própria demência em que ela se encontra atualmente, e que no filme, toma um tempo considerável. Até na própria imagem turrona de Thatcher, característica que a eternizou como “dama de ferro”, o filme mostrou que foi algo premeditadamente fabricado por um mentor político que a aconselhou até mesmo após sua morte.

Mas o fato que o filme não pode alterar é que Margaret Thatcher não é e nunca foi santa, e mesmo num filme onde a adorada Meryl Streep a interpreta, ela jamais poderia ser “canonizada” politicamente. Não sem antes nos atentarmos nos pontos chaves da trajetória política dela. Durante o seu mandato como premiê, Thatcher foi capaz de fazer com que o Reino Unido quase afundasse numa recessão profunda, resultado súbito de um desemprego recorde que foi resultado de sua própria (má) administração, que defasou a produção industrial, privatizou o que pôde, e tratou com a maior austeridade possível os sindicatos e greves (a mais famosa acabou sendo a dos mineiros, em 1984). Nem conter a inflação, algo que era seu grande projeto de campanha, ela conseguiu cumprir, aliás, muito pelo contrário. O que salvou a imagem de Margaret Thatcher – e isso o filme mostra devidamente – foi a sua atuação na Guerra das Malvinas, um conflito contra a Argentina em 1982, que teve um grande apelo popular entre os ingleses.

Ou seja, “A Dama de Ferro” não passa de uma biografia não-linear, sem ligações entre os variados recortes da vida de Margaret Thatcher, e não passa de um emaranhado de fatos sem maior profundidade no contexto histórico e social, somente para não dar a cara a tapa e ser mais firme na tentativa de tornar a figura Thatcher melhor trabalhada, fixando-se na idéia de que mostrá-la debilitada é o suficiente para que não nos seja mostrados os dados de sua gestão.

Resumindo, “A Dama de Ferro”, além de ser broxante, ainda é um dos filmes mais covardes que vi nos últimos anos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Viagem à Lua [1902]


(de Georges Méliès. Le Voyage Dans la Lune, França, 1902) Com Victor André, Bleuette Bernon, Jeanne d'Alcy, Georges Méliès. Cotação: *****

Por que não escrever sobre um filme que tem como principal característica ser a primeira ficção da história do cinema? Sim, “Viagem à Lua”, filme do comecinho do século passado, é importantíssimo por contar, pela primeira vez, uma história feita para o cinema, uma arte midiática que ainda causava espanto na sociedade francesa. Diferentemente dos filmes dos irmãos Lumiére, que retratavam o cotidiano dos franceses, filmando a chegada de um trem ou simplesmente transeuntes nas ruas, “Viagem à Lua”, cuja duração ultrapassava uma nova fronteira da arte (os curtas-metragens da época tinham cerca de dois minutos apenas), se tornou obrigatório logo de imediato, já que todo o gênero de ficção científica deve alguma coisa a ele.

Georges Méliès (1861-1938), diretor de “Viagem à Lua”, foi um grande ator de teatro e ilusionista francês, e exatamente por conter esse interesse por impressionar visualmente, bolou uma história trazida através dos livros "Da Terra à Lua", de Julio Verne (1828-1905) e "Os Primeiros Homens da Lua" de H. G. Wells (1866-1946), e filmou de uma maneira misteriosa para seus contemporâneos, utilizando técnicas inovadoras como sobreposição, fusão e exposição de imagens, hoje em dia algo até corriqueiro para tudo o que é relativo à fundamentação de cenas. Seria ignorância atentar-se somente às “imperfeições” ou “conceitos datados” deste filme, se comparados às tecnologias de hoje. É preciso transportar a obra ao seu contexto histórico.

(Nem preciso dizer que me sinto um imbecil dizendo isso, mas é a única maneira de parecer didático, e também é uma forma de me proteger de comentários idiotas feitos por pessoas que não consideram Méliès um “cineasta”)

A história é bem simples. Num turbulento congresso, fica decidido que cinco astrônomos irão para a lua. Vemos então, em rápidas passagens, a construção e o lançamento de uma cápsula, que levará os terráqueos para este misterioso lugar. Aterrissando no olho direito da lua, um ser antropomórfico, eles saem do veículo e começam a explorar o local, cheio de plantas estranhas e criaturas que logo capturam os homens da terra. Até que os astrônomos descobrem que os acrobáticos selenitas (os hostis da lua) desaparecem com um único toque de guarda-chuva, e assim, eles conseguem escapar e cair de volta em mares da terra. Logo eles são salvos e voltam para a França para serem recebidos como heróis.

Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na lua em 1969 (na missão Apollo 11) falou a conhecidíssima frase “Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade”. Isso resume bem tanto o seu feito histórico, como também ao trabalho de Méliès. Obviamente que, como “pequeno passo” entende-se o pequeno filme, onde ele faz papel de diretor, ator, figurinista, produtor, e tudo o que estivesse ao seu alcance, para assim tornar realidade uma história que estava toda montada em sua criativa imaginação. E é aqui que mora a principal colaboração de Méliès para toda a história. Pela primeira vez, um filme foi pensado, e logo depois foi produzido, até virar um produto. Isso pode parecer automático, mas acabou sendo uma descoberta que possibilitou a metodologia básica do cinema.

“Viagem à Lua”, hoje em dia, é de domínio público. Isso quer dizer que qualquer pessoa pode assisti-lo, bastando abrir um link para o youtube. Separe dez minutinhos de seu dia para conhecer o marco zero da história do cinema sendo contada através do imaginário. Sem querer tirar os méritos dos irmãos Lumiére, mas Méliès foi o cara que determinou o que é fazer cinema em sua totalidade, desde seu roteiro, até aos seus efeitos visuais, para depois virar um produto de mercado. Infelizmente, Méliès não conseguiu sucesso nessa sua última meta, já que foi “pirateado” pelos técnicos do filme, que foi distribuído por todo o país, e Méliès acabou morrendo na falência.

De todo modo, vale a espiada!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Amadeus [1984]


(de Miloš Forman. Idem, EUA, 1984) Com F. Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge, Simon Callow, Christine Ebersole, Jeffrey Jones, Cynthia Nixon. Cotação: *****

Pra muita gente, se dispor em ver um filme de três horas de duração (na versão do diretor, que possui um acréscimo de vinte minutos em relação ao original), e ter música clássica como base, pode ser algo extremamente chato. Mas, devo alertar, no caso de “Amadeus”, essa falsa impressão vai embora logo aos primeiros minutos da obra, porque o filme tem algo quase indescritível, que nos faz ficar cada vez mais interessado na história. Trata-se, também, de um filme que conquistou a histórica marca de oito (!) estatuetas no Oscar de 85, incluindo o de melhor filme e diretor.

Com uma visão livre de Peter Shaffer – baseado em sua própria peça - “Amadeus” inicia com a tentativa fracassada de suicídio do músico Antonio Salieri (F. Murray Abraham). Logo depois, ele recebe a visita de um padre, a quem ele vai contar os motivos de sua desilusão: a crença de que foi um dos responsáveis pela morte de Wolfgang Amadeus Mozart (Tom Hulce), uma das mentes mais brilhantes do séc. XVIII. Em forma de confissão, Salieri relata suas memórias, desde quando era criança, o início de sua carreira musical, até se tornar um maestro da corte de Viena. Mesmo sendo devoto, possuía um sentimento de inveja em relação à Mozart, o que o levou a tomar medidas que fizessem cruzar suas vidas, de uma maneira intensa e fatal.

Apesar de o filme carregar em seu título o segundo nome de Mozart, toda a história é construída sob a visão do seu antagonista - Salieri - com uma narração em primeira pessoa fenomenal. Ainda sobre a construção da obra, não tem como deixar de tecer elogios à direção impecável de Miloš Forman, com a grande opulência em que trabalha às belíssimas cenas de ópera, quanto ao cuidado que parece simples, ao mostrar os pequenos sustos que alguns personagens tomam na tela, quando Mozart dá alguma de suas desengonçadas gargalhadas. Se ele era, de fato, daquela forma, tão controverso e peculiar, isso não importa. Aliás, ficar procurando se tudo o que acontece no filme realmente aconteceu é tarefa de gente pedante. Como já disse, trata-se de uma visão livre.

As melhores partes de “Amadeus” estão nas narrações feitas por Salieri. Já velho e castigado pelo tempo, são nesses momentos em que F. Murray Abraham (também ganhador do Oscar por este trabalho) dá uma verdadeira amostra do que é um “papel para a vida inteira”. Não só ele, como Tom Hulce, o intérprete de Mozart, jamais voltariam ao prestígio da Academia (muitos até os esqueceriam anos mais tarde), o que não muda o fato de que ambos estão fantásticos neste filme. Os pólos de Mozart e Salieri também são lindamente colocados aqui. Mozart era prodígio, tinha um talento quase natural diante de sua arte, e Salieri, por sua vez, sentia-se privado por Deus por rejeitar a ele um talento que ele tanto venerava.

A ambientação de “Amadeus” também conseguiu feitos incríveis, com cenas sendo rodadas em lugares com luzes naturais e a impressionante direção de arte da americana Patrizia Von Brandenstein e a tcheca Karel Cerný (também vencedoras do Oscar). E é justamente nesse dado técnico que se encontra a cereja do bolo. “Amadeus” é um dos filmes mais belos do ano de seu lançamento, e se faz inesquecível pelo fato de ser lírico, ao mesmo tempo em que retrata um dos desvios humanos – a inveja – de uma maneira magistral.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Professora de Piano [2001]


(de Michael Haneke. La Pianiste, França, 2001) Com Isabelle Huppert, Annie Girardot, Benoît Magimel. Cotação: **

Este talvez seja o filme mais chatinho do notável Michael Haneke, diretor que hoje se encontra com uma filmografia destacável, com boas obras no currículo, como "Violência Gratuita", "Caché" e "A Fita Branca", e me arrisco a dizer que este último seja o seu ápice. O problema é que “A Professora de Piano” está numa linha tênue, onde filme de arte pode corresponder a um grande equívoco de gosto duvidoso, que por algum motivo ainda desconhecido atrai prêmios, agrada a uma turma de críticos, e com isso, fãs fervorosos que usam uma viseira intelectual que os impedem de reconhecer que “A Professora de Piano”, por exemplo, está bem longe de ser uma obra prima de Haneke.

Baseado no livro da austríaca Elfriede Jelinek (Nobel de Literatura em 2004), o filme apresenta a dinâmica entre profissionalismo, descrição e sexualidade de Erika Kohut (Isabelle Huppert), uma – adivinhem – professora de piano, que trabalha num tradicional conservatório, onde interessados fazem fila para tentar ingressar em suas aulas. Ríspida e incapaz de mostrar um sorriso, Erika se mantém inerte em sua vida particular, na qual o único momento de excitação se encontra na cabine de um privê, assistindo a filme pornô e cheirando os papéis sujos daquele recinto (sim, é bastante nojento). Até que ela conhece um jovem apreciador de música durante um recital. Ele insiste para que ela o aprimore no repertório de Schubert (1797-1828), e tenha relações sexuais com ele. Só que o rapaz nem sabe que ela tem fantasias sexuais bem peculiares.

Uma coisa indiscutível em “A Professora de Piano” é o trabalho esplêndido, visceral, fantástico (inclua aqui qualquer outro adjetivo para uma atriz que faz um trabalho além do impressionante) de Isabelle Huppert. Fico pensando que este papel, se caído em mãos erradas, poderia ter deixado o filme no limbo da carreira de Haneke. Graças a Huppert, que ganhou o prêmio de melhor atriz no festival de Cannes, a obra teve passagem para diversas aclamações. Ela constrói e desconstrói a sua personagem de uma forma bastante impactante. O mesmo posso dizer de Annie Girardot (1931-2011), que interpreta a mãe da professora. Eu diria que as duas fazem o filme valer a pena.

Eu achava que, em algum momento, iria encontrar o verdadeiro charme do filme. Não teve. Entre cenas de masoquismo barato, ou um final que, de tão inconveniente em sua insistência em parecer poético e simbólico, acaba dando margem demais para interpretações obscuras, que aqueles mesmos fãs que citei no início do texto fazem firulas numa tentativa frustrada de dizer que o filme é “provocativo e revolucionário”. Provocativo pode até ser, e talvez seja mais humano (no modo natural da coisa toda) do que muito romance por aí. Mas dizer que ele chega ao ponto de ser revolucionário, isso, além de ser bastante discutível, ainda faz parecer que a pessoa pegou o bonde andando.

Mas divago, para variar. Mexer com sexualidade talvez seja algo bastante particular.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Taxi Driver [1976]


(de Martin Scorsese. Idem, EUA, 1976) Com Robert De Niro, Albert Brooks, Peter Boyle, Jodie Foster, Harvey Keitel, Cybill Shepherd. Cotação: *****

“Taxi Driver” talvez seja tão bom por um motivo bem simples, e ao mesmo tempo, bastante complexo: emergir um olhar diferente de um lugar do qual estamos habituados a ver em outras situações. Eu, pelo menos, sempre me senti atraído pela Nova York de Woody Allen, com suas simpáticas ruas, inúmeras pessoas que transitam por ali, e um charme que não carece de muita justificativa. Por isso, ver um filme como “Taxi Driver”, onde o inesquecível Travis Bickle (Robert De Niro) define Nova York como “um grande esgoto a céu aberto” (ele resume o que convive diariamente), já traz a tona um novo olhar do lugar que o cerca, e exatamente por isso, o filme já vai firmando sua devida importância.

Travis é um anônimo aleatório que se prontifica a trabalhar como taxista noturno para preencher o seu tempo ocioso. Insone e por vezes misógino, ele leva sua vida dirigindo pela noite nova-iorquina na madrugada e freqüentando cinemas eróticos durante o dia. Fica interessada Betsy (Cybill Shepherd), uma funcionária do comitê de campanha de um senador candidato à presidência, mas sua degradação social vai ficando cada vez mais presente, e ela o ignora. Até que um dia, se impressiona com Iris (Jodie Foster), uma prostitua de apenas doze anos, que entra em seu táxi para escapar do seu cafetão, o explorador Spot (Harvey Keitel). Cada vez mais indignado, ele vai planejando sua causa social, a fim de corrigir parte da sociedade.

Começando como um homem como qualquer outro, aos poucos Travis vai se mostrando um ser mais singular, capaz de exteriorizar os seus demônios interiores, e ainda voltar à socialização. Desse modo, o roteiro de “Taxi Driver” mostra, com excelência, o que é um arco dramático. Em toda e qualquer aula de roteiro, uma das coisas que mais são prezadas é o tal do arco. Robert De Niro está absolutamente entregue a este papel. Sua transformação física e psicológica é algo impressionante, e se o roteiro foi capaz de elevar “Taxi Driver” como um dos melhores filmes da carreira de Scorsese, De Niro está também em uma de suas melhores performances, e é responsável direto pela figura tão estudada que é Travis. A parceira entre o ator e Scorsese estava apenas no início, e mais tarde se consagraria em filmes como "Touro Indomável", "Os Bons Companheiros" e "Cabo do Medo".

Jodie Foster, com apenas 12 anos, interpretando a jovem prostituta de cachos loiros também está muito bem. Ela já vinha seguindo uma carreira interessante como atriz mirim, mas foi com “Taxi Driver” que ela acabou sendo descoberta, e tão jovem, conseguiu sua primeira indicação ao Oscar (só ganharia mais tarde por “Acusados” e “O Silêncio dos Inocentes, de 88 e 91, respectivamente). Outro ponto que não faz parte do elenco, mas que também ajudou no legado de “Taxi Driver” é a música recorrente e inebriante de Bernard Herrmann (1911–1975), que de tão peculiar, acabou se tornando uma das marcas registradas do filme.

“Taxi Driver” é um dos exemplares de uma das melhores fases de Martin Scorsese. E ainda dá pano pra manga para discussões do que seria a figura do herói em uma época na qual a mídia poderia ser responsável pela transformação de uma pessoa comum em mocinho ou vilão. Pensando bem, ainda hoje as coisas não estão muito diferentes.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Um Método Perigoso [2011]


(de David Cronenberg. A Dangerous Method, Reino Unido/Alemanha/Suiça, 2011) Com Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen, Vincent Cassel, Sarah Gadon. Cotação: ****

2011 foi realmente o ano de Michael Fassbender, que ao lado de Ryan Gosling, encontrou o timing certo para comprovar talento com carisma, beleza aliada com uma incrível capacidade de encarnar tipos diferentes. Michael, apesar de já ter sido visto em produções anteriores, como “300” (2006) e “Bastardos Inglórios” (2009), conquistou destaque ano passado por participações destacáveis em “Jane Eyre", “X-Men: Primeira Classe” (onde ele compôs um Magneto bem mais humanizado), no novo de Soderbergh “A Toda Prova”, e, como costumo dizer, arrancou suspiros e aplausos em “Shame” (esses dois últimos títulos ainda inéditos), que quase lhe rendeu uma indicação ao Oscar e atestaria a sua imagem de revelação do ano. São tantas aparições e gente falando bem do cara, que assistir “Um Método Perigoso” sem se dar conta de que esse alemão está com tudo, e com boas razões, se torna muito difícil.

Aqui, ele vive nada menos que Carl Gustav Jung, um dos maiores nomes da psicologia, sendo o fundador da corrente analítica de seu tempo. O filme se inicia na Suiça, no comecinho do século passado, quando a jovem judia Sabina Spielrein (Keira Knightley) é enviada para um rigoroso tratamento psiquiátrico na instituição que o Dr. Jung até então trabalhava. Extremamente selvagem no começo, Sabina é tratada por Jung ainda no início de uma época pré-divã, tendo a coragem de colocar em prática as idéias ainda pouco creditadas do austríaco Sigmund Freud (Viggo Mortensen), que nessa época, ainda enfrentava resistência por conta de uma nova forma de tratamento, ainda pouco difundida e aceita, a tal “cura pela fala” (talking cure). Durante anos, a retomada da sensatez de Sabina, apesar de ser um avanço, poderá afetar de maneira definitiva na proximidade entre duas grandes personalidades, conhecidas por serem patriarcas da psicanálise.

É interessante notar que “Um Método Perigoso” vai desenrolando questões que inquietam grande parte da população. Afinal, onde estariam os cernes dos nossos problemas e/ou desvios? Segundo o filme ressalta é que Freud (e boa parte dos que estão contra ele vai concordar) vai dissecar essa problemática até tudo virar uma questão sexual. Jung, mais inquieto e questionador, vai buscar formas alternativas de responder essas questões, mesmo que ele tenha um respeito imensurável pela figura de Freud. É importante frisar que não pretendo aqui fazer uma grande análise do que ambos pensadores provaram, ou o quanto um ou outro está certo. O que posso dizer é que o filme pende para Jung, principalmente no que diz respeito à construção do seu personagem. Freud, ao contrário de seu colega, é visto como um homem mais cheio de si, cheio de análises referentes aos sonhos do Jung, mas que não demonstra nenhum tipo de submissão por receio “de perder a autoridade”. Seu fumo excessivo está lá como elemento de inquietude, e porque não dizer, fragilidade.

Com lindas ambientações, “Um Método Perigoso” tem como grande êxito a forma visceral com que seus atores estão na tela. Até ver no início da interpretação de Keira Knightley, mesmo estando no limite do overacting, está muito bem justificado. A própria atriz, após intensa pesquisa sobre sua personagem, descobriu que o comportamento dela quando foi internada se assemelhava a um cão indomável. E foi com aquela concepção que se mostrou numa sessão de skype com Cronenberg. E ele, já famoso por adorar interpretações por vezes exageradas de seu elenco feminino, apostou na composição de Keira. Até Viggo Mortensen, um ator que têm feito escolhas bem interessantes na sua carreira, está tão seguro na pele de Freud, que fez por merecer as suas pulverizadas lembranças em nomeações como no último Globo de Ouro, em que saiu com uma indicação de ator coadjuvante.

Apesar do último quarto um tanto quanto elíptico, “Um Método Perigoso” é um filme agradável e faz com que o tempo passe voando. As razões estão muito além dos elogios que faço ao texto inteligente, mas ao trabalho de Cronenberg e o elenco afiado dão conta disso.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres [2011]


(de David Fincher. The Girl with the Dragon Tattoo, EUA, 2011) Com Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård, Steven Berkoff, Robin Wright, Joely Richardson, Goran Visnjic. Cotação: ****

Não é de hoje que tenho a consciência de que americanos não gostam de ler legendas. E esse é provavelmente o único fato que explica essa nova adaptação da trilogia de sucesso meteórico Millennium, escrito por Stieg Larsson (1954–2004), e que já tem adaptações completas para o cinema na Suécia. “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, o filme sueco, foi lançado há cerca de dois anos, e quase imediatamente, foram lançadas as seqüências "A Menina que Brincava com Fogo" e "A Rainha do Castelo de Ar". A primeira parte dessa trilogia levada às telonas chegou até nós fazendo relativo sucesso, e de olho no falatório acerca desse fenômeno editorial, os estúdios americanos fizeram questão de recriar à sua própria maneira, encabeçando nada menos que David Fincher pra fazer tudo isso valer a pena. E o cara fez isso acontecer.

O jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig), após ser acusado de difamação nos tribunais por um grande empresário que ele investigava, resolve se afastar um pouco da Millennium, revista de esquerda em que ele trabalha. Até que ele é convocado por Henrik Vanger (Christopher Plummer), um milionário que, sabendo do grande faro investigativo de Mikael, pede pra que ele revire o caso de desaparecimento de sua sobrinha Harriet, que sumiu sem deixar rastros em 1966, quando tinha 16 anos. Durante todo esse tempo, a única pista são os quadros aparentemente enviados por ela, que chegam todos os anos, endereçados ao seu tio. Mikael terá que se mudar para a gélida vila em que Henrik reside próximo de sua grande família, na qual todos os integrantes são suspeitos pelo desaparecimento de Harriet. Enquanto isso, aos poucos a hacker punk Lisbeth Salander (Rooney Mara), uma jovem de 23 anos atormentada pelo seu misterioso passado, vai se envolvendo cada vez mais com Mikael e seu novo trabalho.

David Fincher é realmente um cara confiável. Responsável por filmes bem realizados como "Seven - Os Sete Crimes Capitais" (1995) e "A Rede Social" (2010), Fincher comprova sua mão habilidosa logo de início, até mesmo na concepção da incrível seqüência dos créditos iniciais (é certo que ele tenha contado com uma equipe de técnicos encomendados para isso, mas é óbvio que meu elogio não se deve somente a isso). Ainda no início, dá-se a impressão de que essa versão é mais ágil, mas isso é logo abandonado. Ainda mais para quem é fã dos livros de Larsson (ou o filme sueco), é até desafiador acompanhar uma fita bem longa (tem 158 minutos), sendo que não existem grandes alterações. Basicamente, é a mesma história, com reafirmações e obviedades. Existem sim algumas boas novidades (a tentativa de roubo contra Lisbeth que deixará seu notebook inutilizado é bem mais legal aqui) um melhor apuro estético (a fotografia e a direção de arte funcionam como chamariz), o que resulta em filme que, apesar de ser uma adaptação dispensável, foi feito com muita competência profissional.

Os atores estão excelentes. Para a surpresa de muita gente, Daniel Craig está longe de ser um ator que terá que se preocupar com as constantes encarnações de James Bond. Está envelhecido, mas muito convincente e entregue (emagreceu para o papel, e assim, ficou sem o biofísico do agente 007). Rooney Mara, então, praticamente toma o filme para si. A atriz, que conseguiu ser finalista no Oscar na categoria de atriz, embora seja considerada o grande azarão, foi submetida a uma grande pressão por questionarem se ela – sendo uma atriz considerada iniciante - iria, enfim, conseguir transpor a complexidade de uma personagem como Lisbeth de uma forma tão boa quanto Noomi Rapace, a intérprete original, que se negou a reencarnar a mesma personagem numa nova versão, numa sensatez elogiável, mesmo com a ferrenha campanha que os fãs travaram em favor dela.

Como se trata de um filme envolto em um grande mistério, não me sinto no direito de comentar os pormenores da história. Como já disse, quem já conhece não terá surpresas. Gosto muito mais da forma como desenvolvem Lisbeth Salander do que no caso principal, mas isso não é mérito do filme, especificamente, mas ao menos respeitaram essa qualidade da narrativa de Larsson. Resta saber se Fincher continuará a série, que por enquanto, é encontrada somente em sua versão sueca. Nessa altura do campeonato, o saldo é positivo para os americanos.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O Artista [2011]


(de Michel Hazanavicius. The Artist, França, 2011) Com Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Malcolm McDowell, Joel Murray. Cotação: *****

“O Artista” é aquele tipo de filme que tinha tudo para ser maçante. Francês, mudo, preto-e-branco, saudosista e acadêmico. Não que essas características tornem o filme chato automaticamente, mas quando todas elas estão contidas em uma mesma produção, é praticamente certo que a obra seja vista com certa relutância. Mas se engana quem pensa que o filme é impassível. “O Artista” tem claras intenções de se manifestar contra um fato de que cinema, hoje em dia, precisa prover de um orçamento gigantesco e uma série de regras feitas para atender o maior público possível, e assim, render cada vez mais lucro. Numa época onde os blockbusters são os verdadeiros exemplos do que é cinema para uma parte considerável de jovens, surgir um filme como “O Artista” para mostrar o quanto estão errados já vale como prova de que nem tudo está perdido.

Passado no final da década de 20, a história se inicia mostrando o auge do sucesso de George Valentin (Jean Dujardin), uma grande estrela de cinema de um poderoso estúdio hollywoodiano. Apesar de todo o sucesso, a chegada do cinema falado poderá irromper uma nova forma de ver filmes, e com isso, seus filmes poderiam se tornar obsoletos. Indiferente a essa nova realidade e confiante na sua costumeira forma de interpretar filmes mudos, ele continua estrelando os seus projetos, até onde eles possam emplacar. Mesmo casado, George mantém uma proximidade com Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma aspirante que inicia sua carreira como figurante, mas que se encaminha para ser uma atriz de grande popularidade dos filmes falados.

Antes de qualquer coisa, “O Artista” é um filme francês, apesar de não parecer. É que por ter se utilizado de locações norte-americanas, o filme conta com as participações de John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Malcolm McDowell, entre outros nomes gringos. Mas independente do fato de ser um filme europeu ou não, o mais importante é saber que a obra é talvez a grande surpresa do ano, tudo por trazer uma técnica de filmagem que, apesar de ser clássica, não deixa de ser uma novidade, visto as atuais produções de qualquer parte do mundo. É saudosista ao extremo, e está justamente aí a grande sacada, o que torna o filme algo especial. Afinal, é muito mais fácil chamar a atenção pelo diferente. Foi sendo chamado de “o filme francês/mudo/preto-e-branco que possivelmente vai ganhar o Oscar” que muita gente começou a ouvir falar sobre ele. Isso que é campanha.

Quanto ao filme em si, não tem do que reclamar. É uma obra primorosa, que por razões óbvias, vai se sustentar basicamente na trilha sonora caprichadíssima, assim como o trabalho de composição do ótimo elenco, com atores que precisam ter intimidade com a forma mega expressiva do ator do cinema mudo. Astro de renome na França, Jean Dujardin é a grande aposta do filme, que dá a ele a oportunidade de ter um divisor de águas na sua carreira, que já conta com vitória em Cannes, Globo de Ouro, uma penca de prêmios da crítica e até um possível Oscar estando por vir. Outro rosto que está agradando é o da argentina Bérénice Bejo, que já havia trabalhado com Dujardin e Michel Hazanavicius em "Agente 117", filme de 2006 do diretor, que nada mais é do que uma paródia francesa de James Bond (surreal e recomendável).

O que tem de melhor em “O Artista” (e que é ressaltado por não conter falas, trabalhando com os saudosos intertítulos) é a narrativa. Trata-se de uma verdadeira carta de amor ao cinema em sua essência, e, para um adorador convicto da sétima arte, acaba sendo um filme que irá agradar profundamente. É uma aposta certeira. Espero que seja devidamente reconhecido pelo público em geral, embora eu saiba que o alvo está apontado para os fãs do cinema de verdade.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Martha Marcy May Marlene [2011]


(de Sean Durkin. Idem, EUA, 2011) Com Elizabeth Olsen, Brady Corbet, Hugh Dancy, Maria Dizzia, John Hawkes, Sarah Paulson. Cotação: ***

Já tinha ouvido falar deste filme por aí, quando vi notícias de que estava sendo bem recebido em festivais de cinema importantes como Sundance, ganhando indicações a prêmios como Independent Spirit Awards (o principal prêmio do cinema independente) e com presença constante nas listas de associações de críticos de vários Estados americanos. Tudo isso muito se deve ao trabalho notável de Elizabeth Olsen. E não se engane pelo sobrenome. Sim, ela é da mesma família das gêmeas Mary-Kate e Ashley Olsen, grandes conhecidas por nós graças aos seus inúmeros filmes e séries de TV de sucesso lançados ao longo dos anos 90. Esquecendo esta coincidência familiar, “Martha Marcy May Marlene” marca a estréia de Sean Durkin num trabalho que irá satisfazer poucas pessoas do público em geral.

De maneira pausada e quase ausente de bons recursos, o filme trata da volta de Martha (Elizabeth Olsen) para o contato da família que lhe resta, a irmã Lucy (Sarah Paulson) e o cunhado, após dois anos sem dar notícias. Ela esteve numa zona rural de Nova York, vivendo com um grupo de pessoas que faziam uma espécie de culto, no qual os homens ficam tocando violão o dia todo enquanto as mulheres fazem as tarefas domésticas, e a noite todo mundo dorme amontoada e fazem sexo grupal. Tudo isso é liderado pelo carismático Patrick (John Hawkes), um cara capaz de fazer uma verdadeira lavagem cerebral nos jovens que vivem naquela espécie de seita. Martha, que sempre está sendo testada e submetida às vontades do chefe desse lugar, resolve fugir e voltar ao convívio da irmã, mas não consegue dizer onde esteve, e suspeita de que pode estar sendo perseguida pelos antigos irmãos de sociedade.

Martha é uma personagem complicada de lidar. Suas memórias a tornaram uma pessoa imprevisível, sem saber lidar com a volta ao convívio com aqueles que estão fora do grupo do qual fez parte por algum tempo. Nadar pelada ou não respeitar a intimidade da irmã são pequenos exemplos que ficam soltos no filme pra apresentar alguma perda de discernimento por parte de Martha. Sempre fica aquele clima de não saber se o que ela vê é real ou não, se está sendo de fato vítima de perseguição ou seria algum desvio psicológico. O que fica quase certo o tempo todo é que suas várias identidades (Martha, Marlene, Marcy May) se colidem de uma forma introspectiva, para deixar a garota ainda mais confusa em relação ao seu presente e seu passado. A título de curiosidade, Martha é o seu nome verdadeiro, Marcy May é o nome que ela ganha de Patrick, e Marlene é o nome que todas as meninas do grupo têm que se apresentarem quando a casa comunitária recebe algum telefonema. Mas, afinal, quem é ela?

Essa é uma pergunta que vou deixar pra cada um responder quando forem assistir, pois poderá ficar em aberto, tanto quanto o seu enigmático desfecho (se é que posso chamar assim). É indicado principalmente para quem gostou, por exemplo, de “Inverno da Alma”, pois mesmo com a presença de John Hawkes fazendo um papel interessante nos dois filmes, ambos possuem semelhanças no trato estético, no tom pausado e nas atuações sublimes de suas respectivas protagonistas. Não chega a ser um grande filme, e fica suavemente esquecido depois de ter sido visto. Válido também para constatar de que não é só de tietagem que as irmãs Olsen sobrevivem. A irmã caçula faz um trabalho bem destacável. Só resta saber se continuará no bom caminho, ou este será um trabalho atípico de sua futura filmografia.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Os Descendentes [2011]


(de Alexander Payne. The Descendants, EUA, 2011) Com George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie, Robert Forster, Matthew Lillard, Judy Greer. Cotação: ****

Já faz algum tempo que George Clooney abandonou - presumo que de vez - a imagem de galã, fazendo papéis discutíveis que o estagnaram numa zona de conforto por anos. De uns tempos para cá, a coisa veio mudando. Acho que até mesmo antes de “Syriana – A Indústria do Petróleo” (2005), filme que lhe rendeu seu primeiro Oscar, ele já havia demonstrado claros sinais de amadurecimento profissional, que foi emoldurado com bons trabalhos como diretor (visto em “Boa Noite e Boa Sorte”, de 2005, e mais recentemente, em “Tudo Pelo Poder”) e a figura de bom moço, que reafirma sua imagem até hoje.

Com esse “Os Descendentes”, Clooney tem mais uma chance de acumular prêmios e chegar a um status que já era esperado em sua interessante carreira. Aqui, ele interpreta Matt King, um advogado de sucesso que vive no Havaí (um lugar pouco retratado no cinema hollywoodiano). O texto inicial até brinca com o fato das pessoas acharem que os havaianos vivem num paraíso, mexendo os quadris e tocando ukulele sem nenhuma preocupação na vida. Mas Matt passa por situações bem dramáticas. Sua esposa se encontra em coma após um acidente no mar, e dada pelo médico como caso perdido. Cabe a ele cuidar da filha caçula, de dez anos, e trazer a filha mais velha, a rebelde Alexandra (Shailene Woodley) para ajudá-lo nas questões familiares e a discussão acerca da eutanásia da mulher. Como se não bastasse isso, ele descobre que sua esposa o traia com um homem do mesmo local, e todas essas situações poderão influenciar na difícil decisão de vender as terras milionárias de seus antepassados.

Logo no início do longa, o protagonista se refere à família como um arquipélago, onde as partes fazem, em conjunto, de um todo, mas que aos poucos vão se distanciando. Essa temática é o motor de “Os Descendentes”, que é, acima de tudo, um filme sobre família, e em como ela pode ser o verdadeiro refúgio de um homem que antes dava mais valor às realizações profissionais em detrimento das pessoais. Acompanhar esse grande arco que terá Matt King é o melhor de ser visto no filme, através de confrontos, choques de realidade, e muitas reações inesperadas. Matt King pode não ter certeza, mas tudo o que acontece com ele é uma forma (mesmo que forçada) de torná-lo um homem melhor. Se ele consegue ou não, só assistindo ao filme e julgando por si. Só adianto que tudo ali é concluído com bastante satisfação.

O elenco também é um ponto alto. Dispensando um pouco os elogios à Clooney, é Shailene Woodley, atriz de grande sucesso na TV por conta de seu papel em “A Vida Secreta de Uma Adolescente Americana”, que se torna a grande revelação do filme, que deu a ela a chance de ser reconhecida também em premiações como o Globo de Ouro e o Independent Spirit Awards (esta última bem mais respeitada). E o que dizer, também, da participação assustadora de Robert Forster? O cara, com apenas algumas palavras de insatisfação proferidas contra o genro ou o amigo sem noção da neta, ou quando visita a sua filha em coma, já são suficientes para colocá-lo na dianteira de um elenco tão eficiente.

O diretor Alexander Payne, voltando à ativa após jejum de sete anos (seu último trabalho foi o notável "Sideways - Entre Umas e Outras"), sabe o melhor para humanizar os protagonistas de seus filmes, e num trabalho excepcional de direção de atores, consegue fazer com que intérpretes subestimados (como Matthew Lillard e Judy Greer) também tenham ótimos desempenhos. Com roteiro escrito por ele, juntamente com Nat Faxon e Jim Rash, baseado no livro da havaiana Kaui Hart Hemmings, “Os Descendentes” faz uma definição do que é uma dramédia (drama + leve tom de comédia) de verdade, salientando a perspicácia dessa classificação. Com isso, já são motivos suficientes para uma ida ao cinema a fim de conferir um filme que, no mínimo, te deixará saciado da vontade de ver algo bom.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas [2011]


(de Tate Taylor. The Help, EUA, 2011) Com Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Ahna O'Reilly, Allison Janney, Anna Camp, Sissy Spacek. Cotação: **

É estranho notar que um filme que tinha um potencial incrível possa ter se entregado a um direcionamento mais meloso, com a intenção de tornar seus espectadores em pudins de lágrimas e sair de maneira descarada na corrida pelas premiações. É uma pena, porque o filme tem profissionais de peso, principalmente em seu elenco, e conta com uma história interessante, baseado no (único) livro de Kathryn Stockett (que eu desconheço). “Histórias Cruzadas” inicia, se desenvolve e termina com um único objetivo: focar na recepção dos mais dramáticos e conquistar os acadêmicos e correspondentes estrangeiros.

Enquanto os EUA enfrenta ferrenhos e idealistas movimentos pelos direitos civis durante os anos 60, a jornalista recém-formada "Skeeter" Phelan (Emma Stone) tenta ganhar a vida no mundo editorial em Nova Iorque. Ao voltar para sua cidade natal, a pacata e racista Jackson, no Mississipi, ela percebe um fato alarmante. As crianças do lugar passam sua infância sob os cuidados de babás negras, e anos mais tarde, essas mesmas crianças vão tratar as mulheres que o criaram (ou a raça delas) com o maior desdém. Sem as mesmas preocupações que tem suas amigas de infância – todas casadas, com filhos e mantendo suas empregadas em regime de quase escravidão – Skeeter, estimuladas ainda mais pelos ideais de Martin Luther King, resolve escrever um livro contendo depoimentos das mulheres que sofrem com o preconceito dia após dia, como é o caso de Aibileen (Viola Davis) e Minny (Octavia Spencer).

A primeira evidência de que “Histórias Cruzadas” peca pela insistência em querer ser muito e não focar em algo que poderia render muito mais, é a sua quase descabida idéia de aliar o drama das mulheres negras do filme com um tempo considerável presenciando a vida das mulheres que as oprimem (nesse caso, as brancas). De maneira exageradamente dual, as dondocas interpretadas por Bryce Dallas Howard e Anna Camp, por exemplo, possuem um ar maquiavélico que faz com que nos tornemos céticos com tanta maldade. É óbvio que eu não vou aqui dizer que o racismo que imperou por anos entre os americanos nunca tenha existido. Isso é um fato histórico, infelizmente. Mas até mesmo os vilões dessa fase merecem um tratamento mais “humanizado” nos cinemas, por mais difícil que isso possa parecer. Senão fica aquele climinha de contos de fadas que não cai nada bem numa obra que quer ser levada a sério.

Se prestarem atenção, ao dizer que a população negra, durante esse lastimável período, só conseguiriam algum tipo de liberdade se alguns brancos ou se redimissem ou passarem por algum tipo de ameaça, “Histórias Cruzadas” acaba dando um tiro no pé, e beirando uma moral da história bem discutível.

As atuações, como já disse, são primorosas. Principalmente Viola Davis, o grande rosto do filme, e que merece todos os aplausos possíveis. Essa americana da Carolina do Sul já havia surpreendido em “Dúvida” (conseguindo indicação ao Oscar como atriz coadjuvante) e eu mesmo sempre elogiava suas presenças, mesmo que apagadas (como foi no caso do filme “Confiar”). Aqui, ela consegue a proeza de dar um banho de interpretação, com direito a uma complacência quase inexplicável, se utilizando apenas de alguns gestos e olhares que dizem muito mais do que a cena em questão apresenta. Isso, em um filme que tem ainda Emma Stone querendo dizer a que veio, Allison Janney fazendo a linha “pobre mulher adoentada” e Sissy Spacek quase esquecida, nem é preciso muito tempo para dizer que Viola rouba todo o foco para si.

“Histórias Cruzadas”, mesmo com a intenção clara de se fazer presente nas premiações (o que não chega a ser um defeito), se desvirtua completamente do seu caminho mais provocador para cair num campo mais melodramático. Pelo visto, tem conseguido conquistar parte do que queria. Nesse caso, merece os parabéns. Mas a que preço?

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Separação [2011]


(de Asghar Farhadi. Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011) Com Peyman Moadi, Leila Hatami, Sareh Bayat, Shahab Hosseini, Sarina Farhadi. Cotação: *****

O cinema iraniano é pouquíssimo difundido pelo mundo. Aqui no Brasil, se não existissem os festivais e o esforço dos organizadores para trazer essa leva alternativa, talvez nem chegaríamos ao menos a conhecer os principais títulos dessas obras, que se baseiam basicamente em narrativa. “A Separação”, o mais novo filme do diretor Asghar Farhadi após relativo sucesso de “Procurando Elly” (2009), e um típico exemplo do que os iranianos mais prezam na forma de contar uma história. Sem se atentar a um orçamento abarrotado ou grandes estrelas, “A Separação” se sustenta em uma direção interessante e um roteiro que faz jus a todo sucesso que o filme anda conquistando, após sair como grande vencedor do último festival de Berlim, e provável Oscar de melhor filme estrangeiro.

Quando Nader (Peyman Moadi) e Simin (Leila Hatami) resolvem se divorciar após 14 anos de união, eles travam uma disputa para saber com quem ficará a filha do casal, Termeh (Sarina Farhadi). Nader, que se recusa a ir para o exterior com a esposa (vem daí o motivo da separação) para cuidar de seu pai, que se encontra debilitado em decorrência de Alzheimer. Símin, a mãe, continuará tentando fazer com que sua filha a acompanhe numa nova vida, já que ela quer um futuro melhor para as duas, algo que no país onde moram pode ser difícil. Em meio a essa disputa, Razieh (Sareh Bayat), a cuidadora do pai de Nader, acaba sendo o epicentro de uma série de confusões emergidas na falta de comunicação, confiança e religiosidade, que culminará em reações inesperadas que afetarão todos os personagens.

No meio de todo o desenrolar desse belíssimo filme, o mais interessante é notar que ninguém ali é culpado, ao mesmo tempo em que todos, invariavelmente, tomaram atitudes que reforçaram o acaso a trabalhar contra eles mesmos. Todos os personagens, trabalhados de maneira honesta por Farhadi, são tão imprevisíveis, que fica difícil não nos impressionarmos pelas suas reações quando elas se fazem necessárias. É complicado lidar com problemas que estão enraizados numa cultura bem diferente da nossa. Lá, a religiosidade acaba tornando a sociedade bem mais opressora, e jurar por algo que foi (ou não) feito em cima do Corão, poderá tornar a verdade mais nítida do que num julgamento civil. Contrapor as situações que os personagens vivem, numa visão mais palpável a nossa, nos fará ver que, em muitos aspectos, somos tão diferentes e tão semelhantes, dependendo da situação.

Dando continuidade ao elogio que faço ao roteiro de “A Separação” – que definitivamente eu considero a melhor coisa do filme -, é difícil não se sentir fisgado pelas discussões que o casal principal trava, e em como eles justificam os seus próprios atos. Simin, a mãe que pedira o divórcio (um ato de grande coragem naquele país), se ressente muito mais pelo fato do marido nem sequer tentar fazê-la mudar de idéia pedindo para que ela não saia de casa, do que pela negativa de não ir mais para o exterior, depois de tanto tempo de planejamento. Segundo ela, a filha do casal não escolheu ficar com o pai por uma questão de afinidade, e sim porque a garota tem a esperança de fazer com que seus pais se reconciliem. Esse tipo de leitura de personagens, dados em outros tantos exemplos no decorrer do filme, vai deixando a obra ainda mais rica.

Por ser mais humano do que qualquer outra coisa, “A Separação” deveria ser um filme muito mais reconhecido, o que, infelizmente, só será possível por uma questão de curiosidade (principalmente agora nessa época de premiações) do que pelo cinema iraniano em geral. Isso, também, não quer dizer que o filme deva ser subestimado. Pelo contrário. “A Separação” tem tudo para ser a melhor alternativa para quem procura um bom cinema, que esteja fora do eixo América-Europa.