terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Albert Nobbs [2011]


(de Rodrigo García. Idem, Reino Unido/Irlanda, 2011) Com Glenn Close, Mia Wasikowska, Jonathan Rhys Meyers, Brendan Gleeson, Janet McTeer. Cotação: ***

Ao escrever sobre “Reencontrando a Felicidade”, eu havia me atentado ao fato de que algumas atrizes estão renascendo das cinzas após cirurgias plásticas que a deformaram, e passaram a se utilizar justamente da quase desarticulação de suas faces para fazer sua arte. No caso de “Reencontrando a Felicidade”, o exemplo ficou a cargo de Nicole Kidman. Em “Albert Nobbs”, é Glenn Close que surpreende, entregando uma das atuações mais elogiáveis de toda a sua carreira, após anos tendo que se conformar com o sucesso na televisão, com papel premiado em “Damages”. Mas não demoraria muito para ela arquitetar um retorno triunfante aos cinemas, e fez isso da maneira mais calculada possível.

Interpretando um personagem forte e dificílimo, ela é Albert Nobbs, que aos olhos dos outros, é um honroso garçom que trabalha em um movimentado hotel, mas que na verdade é uma mulher obrigada a se disfarçar de homem para sobreviver na Irlanda do séc. XIX, machista por excelência. Juntando dinheiro para conseguir abrir um estabelecimento próprio e assim atingir seu maior sonho, seus planos voam mais alto após conhecer Hubert Page (Janet McTeer), outra mulher se fazendo de homem, que vai trabalhar como pintor no mesmo hotel. Vendo que Page consegue disfarçar ainda mais seu sexo por ser casada com uma mulher, Albert cria coragem para cortejar a jovem Helen Dawes (Mia Wasikowska), que traz para ela uma série de problemas em curto prazo.

Mesmo sendo dirigido pelo colombiano Rodrigo García (filho do escritor Gabriel García Márquez e que já trabalhou em várias séries da HBO), é Glenn Close que praticamente fez o filme acontecer. Além de protagonizar a obra (sendo ela o personagem-título), ela escreveu o roteiro a partir do conto do irlandês George Moore (1852–1933), é também uma das produtoras e até escreveu a música tema, a singela “Lay Your Head Down", cantada pela eterna careca Sinead O'Connor. Isso comprova o interesse de Glenn Close em voltar a ser levada a sério, já que seu último papel vangloriado nos cinemas foi em 1989, com indicação ao Oscar de melhor atriz por “Ligações Perigosas”.

O filme em si não é nenhuma jóia, apesar de ser bastante correto. É bem produzido, singelo, tem Glenn Close e Janet McTeer em suas melhores formas (a cena em que Close se veste como mulher e corre rumo à liberdade momentânea é uma das mais bonitas estética e sentimentalmente), e tem um final que me satisfez, embora eu reconheça que muita gente possa chiar, mas que pelo menos não fez jus a maneira didática como o filme estava seguindo desde o seu início. No final das contas, é daqueles filmes que se passa sem nenhum efeito impactante, no sentido mais apoteótico da coisa.

Antes de tudo, devemos reconhecer que “Albert Nobbs” é um filme acadêmico. Ou seja, foi tudo planejado para servir de campanha – em primeiro plano - para Glenn Close. Isso enfraquece bastante a experiência do filme, mas isso não significa, contudo, que ela não deva ser prestigiada. Até porque, nos dias de hoje, uma atriz que se propõe a fazer o que ela sabe que faz de melhor - e de uma maneira tão bela - é algo que deve ser louvado.

Dadas essas considerações, é Glenn Close quem mereceria as cinco estrelas.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

50% [2011]


(de Jonathan Levine. 50/50, EUA, 2011) Com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Howard, Anjelica Huston, Serge Houde, Philip Baker Hall. Cotação: ****

Joseph Gordon-Levitt, para quem não lembra (ou não sabe), era aquele pentelho do “3rd Rock From the Sun”, série divertidíssima que durou seis temporadas entre 1996 e 2001. Depois ele foi crescendo, sem ter muito destaque nem na TV, muito menos no cinema. Acabou ficando mais famoso após estrelar o pop-indie “(500) Dias com Ela” (2009), e assim, tendo boas oportunidades em filmes como “A Origem” (2010), e no ainda inédito terceiro filme do Batman da era Christopher Nolan. Mas foi neste “50%” que o rapaz comprovou que talento, muitas vezes, só pode ser visto quando se tem boas oportunidades. E para conseguir o real reconhecimento, é preciso surpreender de verdade.

Aos 27 anos, o ecologicamente correto Adam (Joseph Gordon-Levitt) recebe uma notícia tão surpreendente quanto inaceitável: ele está com um raríssimo câncer, localizado na região lombar (conhecido como Schwannoma). Apesar do baque inicial, é preciso estar com maior fôlego para lidar com as reações da namorada que ainda está se tornando íntima (Bryce Dallas Howard), a mãe extremamente protetora (Anjelica Huston incrível), a terapeuta iniciante (Anna Kendrick), e o amigo que só quer ver o lado bom da situação (Seth Rogen), tomando, inclusive, o câncer como um bom motivo para se dar bem com a mulherada. Dentro desse circulo que ele não tem como fugir, e, obrigatoriamente, ele tem que aceitar ficar no centro, ele inicia uma jornada para conseguir estabelecer o que um câncer pode levar dele antes de sua possível morte.

Quase todo mundo deve presumir a pedreira que deve ser para enfrentar uma doença tão nefasta quanto essa. Quem já teve ou presenciou de perto alguém em tratamento acaba tendo uma aula de vida sem nem ao menos tê-la desejado. A partir dessas resoluções que tiramos de situações como esta, foi que Will Reiser, roteirista de “50%”, incitado pelo amigo Seth Rogen, escreveu algo nos moldes de suas próprias experiências, quando teve que enfrentar uma situação bem similar ao do protagonista do filme. O resultado foi uma grata surpresa. “50%” já merecia destaque simplesmente por não se desviar muito da sua intenção inicial: a jornada de Adam contra a temível doença. Para salientar isso, perceba que o espaço para romance, quando há, se limita às boas impressões que duas pessoas podem causar um ao outro, sem que isso não caia num romance forçado, que não teria nada a ver com o planejamento do filme. Só este motivo já faz “50%” valer à pena.

Outro mérito que deve ser apontado é a aura humana e jovial que o filme possui, dando direito a ter cenas bem humoradas, com outras realmente tristes (a partir do momento em que Adam vai caindo no estágio mais revoltante para o paciente), até os momentos realmente emocionantes, sem, contudo, parecer piegas. E ainda tem Anjelica Huston diferente de sua figura habitual, e de uma forma que eu quase não a reconheço. Acho que deste que eu me entendo por gente, a atriz sempre manteve seu estilo quase intocável. Bom para nós, que podemos conferir sua ótima presença.

Repleto de referências pop que podem fazer os menos informados ficarem meio no vácuo (citam Senhor dos Anéis, Harry Potter, a careca de Michael Stipe, e as doenças de Patrick Swayze e Michael C. Hall), “50%” pode ser aquela prova de que retratar doença séria não precisa ser, necessariamente, um filme dramático e edificante, muito menos ser uma dessas comédias que não tem um mínimo de escrúpulo ao dosar o humor negro. É um grande alívio agradar-se com este filme.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Tudo Pelo Poder [2011]


(de George Clooney. The Ides of March, EUA, 2011) Com Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood, Marisa Tomei, Jeffrey Wright, Max Minghella. Cotação: *****

Se você não conhece ou não entende como funcionam as eleições nos EUA, “Tudo Pelo Poder” apresenta, mesmo que presumivelmente, algumas considerações. Para começar, lá (ao contrário de cá) as eleições não são dadas de forma direta. Isso quer dizer que o povo não elege o seu novo presidente, mas sim os delegados estaduais, que por sua vez, entregam os votos para determinado candidato. Cada um dos cinquenta Estados possui um número X desses delegados, que variam de acordo com o número de habitantes do lugar. Antes de todo esse processo, existem as chamadas “primárias”, nas quais os dois principais partidos – o Republicano e o Democrata – fazem uma disputa interna para saber quem vai ser o representante a largar na corrida presidencial.

Tudo isso parece ser pouco inteligível, porque não faz parte do modo como nos habituamos a eleger nosso presidente da República, mas também não é preciso conhecer todos os meandros da política norte americana para acompanhar este filme imperdível, que nos dá a certeza de que George Clooney sabe como fazer cinema, como já havia dado indício no envolvente “Boa Noite e Boa Sorte”, de 2005.

Ambientado no Comitê Nacional Democrata, o filme apresenta os bastidores da campanha do governador Mike Morris (George Clooney) para ser o representante democrata nas eleições para presidente. O seu “cérebro de confiança” (como ele mesmo define) é o competitivo Stephen Meyers (Ryan Gosling), responsável pelas estratégias de imagem do candidato, sob a supervisão de Paul Zara (Philip Seymour Hoffman). Nessa disputa que vale quase tudo, ele terá que lidar com questões éticas que jamais poderia esperar, principalmente depois de se envolver com Molly Stearns (Evan Rachel Wood), uma estagiária do mesmo comitê de campanha do qual trabalha.

Como deu pra perceber, todo o filme se passa nos bastidores de uma primária do partido democrata. Isso mostra o que (e quem) está por trás dessas campanhas, com assessores responsáveis pelo crescimento nos números de intenção de votos, tendo que lidar com os jornalistas, manter a imagem de bom moço dos candidatos, e até dos discursos deles, criando cada linha, pontuação e entonação do que tem que ser dito. O planejamento desses discursos poderá ser primordial para que o candidato se saia bem em pronunciamentos sobre temas polêmicos, como aborto ou os direitos civis dos homossexuais (como acontece em uma cena em que o personagem de George Clooney é sabatinado por eleitores).

Ryan Gosling é o que poderíamos chamar de “o cara da vez”. O ator já é queridinho de muita gente, que até o proclamam como um dos melhores atores da atualidade. Aqui ele se sai bem dessa pressão, entregando mais uma brilhante interpretação (pra variar), encarnando um dos estrategistas que tem de lidar com questões éticas bem complicadas. Ele chega a ser questionado com um “você quer trabalhar para um amigo ou para um Presidente?”, e por não saber como responder isso diretamente, ou não ter consciência de toda a situação que o cerca, se afundando cada vez mais, vamos criando um vínculo de amor e ódio com o personagem. E isso é uma das provas de que o filme funciona perfeitamente.

Com todo aquele clima de que ninguém pode ser confiável, e o discurso batido de que o poder corrompe e qualquer ser humano é passível a isso - por mais idôneo que ele seja -, “Tudo Pelo Poder” não vem com nenhuma novidade. Porém, o que torna o filme especial é a maneira como vai ser retratado o que todos esperam, com as devidas surpresas e situações intricadas, que vão desmoronar em situações delicadas para os principais personagens. Não se engane pelo início estável, o filme vai ficando cada vez mais imperdível, mas sem precisar dar um nó na cabeça de ninguém, afinal, tudo ali é muito simples, e se sustenta por conter duelos ótimos, com diálogos idem.

Tem ali várias possibilidades de encarar o projeto como uma crítica à Barack Obama e seu governo que vem decepcionando grupos de personalidades. Clooney, agora comprovando, faz parte dos decepcionados. E, com muita competência, entrega esta obra que tem fôlego suficiente para ser um dos melhores filmes deste ano.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Toda Forma de Amor [2010]


(de Mike Mills. Beginners, EUA, 2010) Com Ewan McGregor, Christopher Plummer, Mélanie Laurent, Goran Visnjic, Mary Page Keller. Cotação: ***

Estranhamente, este filme do diretor Mike Mills (do interessante "Impulsividade") sairá aqui no Brasil diretamente em DVD. O fato é que a fita nem teve tempo de ser descoberta e a distribuidora acabou perdendo a oportunidade de aproveitar a estação de prêmios para se beneficiar. É que desde que estreou no Festival de Toronto no ano passado, já levantaram rumores sobre a possibilidade de Christopher Plummer, um aclamado ator de teatro e que nunca ganhou um Oscar (foi indicado pela primeira vez no ano passado por “A Última Estação”), fosse finalmente ser reconhecido pela Academia.

Baseado em um fato por si só bastante cinematográfico vivido pelo próprio Mike Mills, o filme acompanha três momentos do apático cartunista Oliver (Ewan McGregor). Em um deles, o impacto diante da figura de seu pai, assumindo aos 79 anos sua homossexualidade e revelando, assim, que seu casamento de 44 anos não passava de uma farsa. Em outro, Oliver acompanha o tratamento do câncer de seu pai, agora em um relacionamento sério com o jovem Andy (Goran Visnjic). Oliver ainda conhece uma interessante atriz francesa (Mélanie Laurent), e acaba se apaixonando aos quarenta anos, enquanto relembra flashes de sua infância em companhia de uma mãe que, na época, demonstrava uma frustração no casamento até então incompreensível (talvez por já saber da natureza sexual do marido).

A história tão interessante quase não me empolgou por uma insistente questão: e se o protagonista do filme, ao invés de Oliver, fosse seu pai? Não sei se essa dúvida impertinente e injusta com o filme ocorreu com todo mundo, mas o meu interesse pela guinada de um senhor viúvo que sai do armário batendo na casa dos oitenta, descobrindo as lutas civis que sua classe tem que travar e conhecendo um amor que ele tanto merecia, era muito mais interessante do que ver Oliver desenhando aqueles rostos “moderninhos”, levantando suas emoções através de rabiscos enquanto demonstrava amar cada vez mais uma atriz com sérios problemas de auto-afirmação.

O que salva nesse núcleo principal é o cachorro da raça russel terrier. Mesmo com o papel que, a primeira vista, é infame (cachorros que interagem com os personagens através de legendas dizendo o que eles pensam não é algo a ser levado a sério, convenhamos), o animal rouba todas as cenas em que aparece, tamanha a sua fofura. E na segunda ou terceira cena do cachorro “falando” suas impressões, já estamos aceitando muito bem isso tudo.

Depois de passar quase todo o filme com aquele insistente “mas e se...” que falei mais acima, foi quase no desfecho da obra que me dei conta da importância de manter o personagem de Ewan McGregor em primeiro plano. Não é fácil lidar com um conflito pessoal ao saber que você nasceu de uma mentira. Ter uma mãe conformista e um pai enrustido, mesmo que você não saiba, pode ser uma situação deveras deprimente para qualquer um. Se Mike Mills não nos certificasse de que essa história aconteceu realmente com ele, poderíamos dizer que é algoque só aconteceria em cinema, de tão irônico, e ao mesmo tempo, tão trágico que é.

“Toda Prova de Amor” é um filme intimista, e mesmo que sua aura moderninha e título de drama adulto absorvam quem assiste, é visível que o seu modo de contar as formas de amor não embarcará a todos. No meu caso, valeu mais pela simpatia de Plummer (e do russel terrier, é claro).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Tomboy [2011]


(de Céline Sciamma. Idem, França, 2011) Com Zoé Héran, Malonn Lévana, Jeanne Disson, Sophie Cattani, Mathieu Demy. Cotação: *****

Eu peguei este singelo filme francês como o meu preferido dentre os filmes que acabaram de estrear neste ano. Infelizmente, “Tomboy” sofre a resistência das salas de cinema comerciais, e eu acredito que só será encontrado mesmo em salas mais alternativas, que dedicam boa parte de sua programação para os filmes de arte. Correndo em vários festivais de temática GLBT pelo mundo desde o ano passado, este belíssimo trabalho da francesa Céline Sciamma trata, de forma bem respeitável, a questão da identidade sexual numa criança comum, sem estar à margem da sociedade e sem crises familiares. Só aí já se percebe um novo horizonte a ser realizado, sem cair na tragédia ou na cafonice.

Quando os pais de Laura (Zoé Héran) se mudam, mais uma vez, para um novo lugar, ela fica deslocada. Sua opção é ficar em casa cuidando de sua irmã caçula, até que numa ida à rua, conhece o grupo de crianças que brincam pelo bairro. Não seria nada usual, caso Laura não se apresentasse como Michaël, se aproveitando de sua imagem andrógina, com cabelos curtos, corpo franzino, ausência de vaidade e roupas masculinas. As crianças nem desconfiam, e uma garota, inclusive, chega a se apaixonar por Michaël, obviamente sem saber que se trata também de uma menina. O que Laura não calcula é que a volta às aulas estão chegando, e é uma questão de tempo para que seus novos amigos e sua família descubram o que ela fez.

“Você não é como os outros”. Essa afirmação, dita pela garota apaixonada pelo mais novo residente do bairro, soa como uma forma resumida da questão de Laura/Michaël. Antes de qualquer interação com o mundo dos homossexuais ou experiência traumatizante, parte dela se sente à vontade para viver como um menino. A liberdade que seus pais lhe dão para se vestir como quiser, ou não se intrometerem na sua pregressa vida particular, faz com que seja bem viável as discussões que o filme provoca. Como disse no início do texto, ao contrário do que é mostrado em muitos filmes com essa temática (e por isso ele jamais pode ser chamado de “Meninos Não Choram” em versão mirim), é que não existe malícia ainda. Não são encontrados problemas familiares, que muitos dizem ser o início de um comportamento transitório, que poderá culminar até na homossexualidade. Uma definição absurda desse conceito, verdade seja dita. 

Mas o filme prova de que não se trata de sexualidade. Nem nós, nem a família, nem a própria Laura entende o que acontece com ela mesma. E isso é o que torna “Tomboy” um belíssimo retrato do que é, de verdade, a identidade de gênero. A diretora Céline Sciamma, que também escreveu o roteiro, faz a escolha acertada de realizar um filme basicamente feito por crianças. Os adultos, muitas vezes, são vistos com ângulos que vem por baixo, e quando não são necessárias as suas presenças, vemos lindas interpretações de praticamente todo o elenco infantil do filme. Com destaque, é claro, para Zoé Héran. A garota é um verdadeiro achado do casting, e não duvidaria se descobrisse que ela foi a principal escolha ainda nas seleções de elenco, porque tudo o que o personagem pede lhe cai bem.

Como eu já sei que não será um filme muito alardeado, só preciso dizer a todos que “Tomboy” merece ser descoberto.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Precisamos Falar Sobre o Kevin [2011]


(de Lynne Ramsay. We Need to Talk About Kevin, EUA/Reino Unido, 2011) Com Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich. Cotação: *****

Desde que foi anunciado como um dos preferidos em categorias importantes nas premiações de cinema que estão chegando, fiquei curioso para conferir esse filme que tinha tudo para me agradar completamente. E assim aconteceu. Uma campanha brilhante, uma idéia intrigante e uma das atuações mais entregues da esquisitona Tilda Swinton, atriz que - se repararmos bem - nunca falha. Dirigido pela interessante Lynne Ramsay ("Morvern Callar" e "Ratcatcher"), baseado no livro homônimo de Lionel Shriver (obra que foi rejeitada por inúmeras editoras até conseguir ser publicada em 2005), o filme tem uma impactante forma de contar uma história de maneira bastante competente.

Com uma edição não convencional, acompanhamos o drama de Eva Khatchadourian (Tilda Swinton), uma mulher do mundo (logo no começo, vemos sua alegria ao participar da Tomatina, um dos festivais mais tradicionais de Valência, na Espanha, com gente imersa num mar de tomates). Ao se casar com Franklin (John C. Reilly) e logo ser mãe de Kevin (Ezra Miller na fase adulta), ela percebe o quão difícil é se fixar em um único lugar, o que pode ter afetado o seu filho de forma negativa. Desde pequeno, Kevin apresenta uma falta de sensibilidade com a mãe, que culmina em uma série de conflitos no decorrer de seu crescimento até chegar a uma grande tragédia ocorrida em um colégio, que fará com que Eva seja odiada pela população.

Uma das provas de que um filme é realmente bom, na minha modesta opinião, é a possibilidade das fortes lembranças que este nos causará nas horas seguintes, ou no melhor dos casos, até nos dias seguintes. “Precisamos Falar Sobre o Kevin” surtiu esse efeito em mim. Sua narrativa é fluída, e por isso, é de se estranhar o início, por vezes confuso, mas que por dedução as cenas e os tempos narrativos acabam se ajustando perfeitamente. O lado bom dessa forma de contar a história é que não nos atemos à forma gradual da relação entre mãe e filho aqui. Já conhecemos o que restou (uma relação quase sem diálogos) e questionar se isso pode ter sido resultado de uma relação conturbada entre os dois. O que poderia ter acontecido? Até quanto mãe e filho se odeiam? O que podemos esperar disso tudo?

Uma discussão que o filme levanta e reconheço que é algo bastante comum na sociedade, é o modo como a mãe de um delinquente é apontada pelas pessoas em alguns casos. Muitas vezes, a situação não chega a ser necessariamente como é mostrada no filme, no entanto, presenciamos perguntas como “E onde está a mãe nessa história?” quando um criminoso comete uma barbárie de níveis midiáticos. “Precisamos Falar Sobre o Kevin” retrata justamente esse tipo de situação, mas sob a ótica da mãe dele. Pra não dizer que isso é original (porque certamente não é), eu diria que é um dos exemplos mais marcantes que já tive conhecimento. Merece ser visto e discutido de forma ampla.

É inevitável o alerta de que “Precisamos Falar Sobre o Kevin” é também um filme performático. Então, prepare-se para ver um trabalho de composição simplesmente fenomenal de uma das atrizes mais interessantes dessa geração. Dar conta de tanto drama com olhares pesados e distantes, as pausas silenciosas que nos faz traduzir tudo o que se passa em sua mente sem que ela precise de um discurso, é digno de nota e aplausos para Tilda Swinton. A narrativa descompassada que citei no texto ajuda ainda mais a evidenciar o contraste entre as fases da vida de Eva, e assim, o trabalho multifacetado da atriz. Não tem jeito, é uma das melhores atuações do ano.

Não li a obra da qual o filme foi adaptado, mas após conferir o longa, cheguei a folheá-lo numa livraria. Vi que é um apanhado de várias cartas de Eva para o marido, tentando justamente dialogar sobre seus problemas com Kevin (que o marido sempre acreditou ser apenas uma criança que sofre com o questionável amor de sua mãe). Ao que parece, o livro parece ser tão intenso quanto o filme, e por isso, já se mantém como um dos títulos que mais me interessa neste ano que está apenas começando.