quinta-feira, 31 de março de 2011

Cópia Fiel [2010]


(de Abbas Kiarostami. Copie Conforme, Itália/França, 2010) Com Juliette Binoche, William Shimell. Cotação: ****

“Cópia Fiel” é sem dúvida um desses filmes obrigatórios para os fãs do “Cinema-Arte”. Embora o Cinema - enquanto produto - esteja totalmente absorvido na nossa sociedade, é preciso uma obra como essa para comprovar o poder de alcance que esta ou qualquer outra expressão artística possui. É visivelmente perceptível a presença de dois filmes aqui, que somados, funcionam como um jogo performático muito bem representado por um competente diretor – o iraniano Abbas Kiarostami – e um casal de protagonistas que estão esplêndidos em todos os milésimos em cena. São eles os grandiosos Juliette Binoche (uma das minhas atrizes preferidas) e William Shimell, que na verdade é um barítono se aventurando como ator.

O historiador da Arte James Miller (William Shimell) é um inglês que se encontra na Toscana para divulgar seu mais novo livro intitulado Cópia Fiel, que acabara de ter sua tradução lançada na Itália. Durante sua conferência, Elle (Juliette Binoche) tenta ouvir a discurso do escritor. Mais tarde, ela o conhece após ele visitá-la em seu antiquário, e o convida para conhecer a região de Lucignano, no subúrbio de Arezzo. Nesse passeio, eles discutem a principal questão do livro escrito por James: “Afinal, a cópia de uma obra é tão valiosa quanto à original?”. Miller diz que sim, em contrapartida, Elle defende a sua visão mais expandida sobre o assunto, e diz que uma cópia jamais possa deter a valiosidade do seu molde original. Mas o que seria o molde original? Isso existe na nossa vida? É possível apreender algo “original”? São essas e outras discussões que os dois irão travar.

Na primeira parte do filme, o naturalismo de “Cópia Fiel” havia me conquistado nos seus primeiros minutos. Ver um palestrante desajeitado por receber uma ligação na hora do seu discurso ou presenciar a timidez de uma mulher em companhia de um escritor em que ela admira é um prazer despertado. É percebível a liberdade que os atores tem em seu trabalho durante a viagem de carro. Quando Miller tenta contar uma piada, a forma como eles interagem é presumivelmente a boa coisa que o filme apresenta até ali. E esse naturalismo acaba levado às últimas potências na metade do filme em diante, quando ao pararem para um café, a dona do estabelecimento confunde os dois como sendo marido e mulher.

A partir daí, eles iniciam um jogo de convenções, fingindo serem casados há quinze anos. Pressupõe-se até mesmo certa confusão dos espectadores, que poderão ficar perdidos ou intrigados com aquelas situações. Mas a sacada aqui é explorar exatamente a questão do livro de James Miller, que também é o título do filme. É a cópia e sua relevância que toma a narrativa de vez. É a discussão desse tema sendo apresentada da forma mais explícita possível. Infelizmente, essa incisão na história acaba quebrando o encanto do naturalismo adotado no início do filme, com as discussões afloradas sobre Estética e psicologia, mas não a ponto de tornar o filme um desperdício. Nem perto disso.

Juliette arrasa em três línguas. Ela passeia tranquilamente interpretando em italiano, inglês e francês, transparecendo um de seus maiores atrativos: sua inteligência aliada a sua beleza expressiva. É dispensável para ela maquilagem ou iluminações a fim de favorecê-la ainda mais. Juliette nem precisaria disso. Seu companheiro de cena em praticamente todo o filme, William Shimell, a acompanha de maneira infalível, e os dois, que estão longe de serem tidos como um casal padrão que se apaixonam de maneira instantânea em filmes afora, criam uma dinâmica muito interessante.

“Cópia Fiel” não é um filme fácil de ser acompanhado como seu inicio faz com que julguemos ser. É praticamente um exercício intelectual do diretor Abbas Kiarostami, que não pretende esmiuçar a temática do filme e dar para o espectador assim tão facilmente. Mesmo com a devida disposição para conferir esse trabalho, é possível desencanar e acabar sendo levado pelas conversas entre o casal, principalmente no que confere às discussões temáticas e que são fundamentais para pensar sobre o conceito da arte através do aspecto de verossimilhança e originalidade. Trata-se de um belíssimo trabalho.

quarta-feira, 30 de março de 2011

O Retrato de Dorian Gray [2009]


(de Oliver Parker. Dorian Gray, Reino Unido, 2009) Com Ben Barnes, Fiona Shaw, Ben Chaplin, Colin Firth, Rachel Hurd-Wood, Rebecca Hall. Cotação: **

Praticamente ignorado fora da Inglaterra, "O Retrato de Dorian Gray" teve uma divulgação irrisória na América, sem quase nenhuma atenção por parte do norte americano, e no Brasil, ficou no atraso de mais de um ano para ser lançado nos cinemas, embora tenha sido visto no Festival do Rio ano passado. Seu lançamento nas salas pode se dever ao fato de Colin Firth ser destaque por conta do seu Oscar de Melhor Ator esse ano. Caso isso faça com que o filme seja visto, é viável informar que Colin é a melhor coisa daqui. Se ele não aguça a curiosidade em conferir a nova adaptação (dentre várias) da obra do incrível Oscar Wilde, saiba que não há nada de excepcional nesta.

Dorian Gray (Ben Barnes) chega a Londres no final do séc. XIX para arrendar a mansão de seu avô recém falecido. Ainda tímido e desajeitado, ele ganha a amizade de dois homens distintos. O cínico aristocrata Henry Wotton (Colin Firth) e o pintor Basil Hallward (Ben Chaplin). Basil, aliás, já demonstra grande interesse em pintar um quadro tendo Dorian como modelo. E Henry leva o jovem ao submundo do sexo na Londres reluzente, o envenenando com seus ensinamentos amorais (“A única forma de se livrar de uma tentação é ceder a ela”). Vislumbrado com sua beleza juvenil capaz de atrair atenções femininas, a vaidade de Dorian vai aumentando cada vez mais. O quadro pintado por Basil alcança uma perfeição tamanha que é capaz de se fazer sobrenatural, no qual retrata o íntimo de Dorian, ficando cada vez mais feio e podre, enquanto sua real figura continua bela e jovem.

Dirigido por Oliver Parker, que mais uma vez fica responsável por uma adaptação da obra de Oliver Wilde (dirigiu também "O Marido Ideal" e "Armadilhas do Coração" - ambas adaptações dos livros de Wilde), mas infelizmente adulterou alguns pontos que poderiam ser aproveitáveis na linguagem do cinema. Apesar de tratar inicialmente de maneira até elegante o hedonismo por parte de Dorian, seu trabalho acaba se esvaindo em um filme arrastado, longo demais para sua premissa. Quando há uma nítida ruptura cronológica, o filme fica chato de vez, apostando em um romance forçado em primeiro plano e tendo a insossa Rebecca Hall fazendo o mesmo de sempre em todos os seus filmes. E é aqui que temos a certeza que Colin Firth está excepcional, pois toma para ele o grande valor do filme.

Pode parecer bajulação pós-Oscar da minha parte, mas se nos atentarmos a maneira como Colin compõe a linguagem ácida do Lord Henry, é possível ver que sua dedicação está além de uma barba e um gestual caracterizado. O discurso de seu personagem e a forma como é transmitida é algo que apenas um bom ator poderia passar com tanta perspicácia. E Colin, mesmo antes de "O Discurso do Rei", já era apontado como um dos atores mais talentosos da atualidade. É um tipo confiável, que sempre garantirá um bom desempenho. Já o intérprete de Dorian, Ben Barnes (o Príncipe Caspian da franquia "As Crônicas de Nárnia") foi uma escolha acertada por ser inexpressivo por natureza. E tendo em vista um papel tão narcisista quanto Dorian, quanto mais “boneco de cera” for o ator, melhor.

Outra infelicidade do "O Retrato de Dorian Gray" é a sua insensibilidade artística. Não exatamente quanto a direção de arte, que está muito bem cuidada até. Mas caso a obra se assumisse mais gótica, mais misteriosa, sem precisar investir tanto na chatice vazia do drama interno de Dorian ou, mais uma vez reclamando, no envolvimento emotivo (apesar de importante), o filme teria oportunidade para ter uma maior aceitação, algo mais definido e estilizado. Mas, infelizmente, o que é visto é um filme que não tem uma grande tona. É válido para tomar contato, mesmo que por meios tortos, com a obra do Oscar Wilde, numa história cheia de sarcasmos e pitadas de ingredientes homoeróticos.

domingo, 27 de março de 2011

A Mentira [2010]


(de Will Gluck. Easy A, EUA, 2010) Com Emma Stone, Penn Badgley, Amanda Bynes, Dan Byrd, Thomas Haden Church, Patricia Clarkson, Lisa Kudrow, Alyson Michalka, Stanley Tucci. Cotação: ****

"A Mentira" pode até contar com um visual batido demais e ser visto com um teen movie qualquer e de pouca relevância cinematográfica. Mas o filme nem tem pretensão para tal e não deve ser recriminado por ter uma linguagem adolescente ou por não conter algo relativamente novo. O que deve ser reconhecida é a forma como o filme se apresenta, expor a protagonista de forma cativante e que tenha pelo menos um mote que explore alguma questão dentro do universo juvenil de maneira convincente. E pra não dizer inúmeras vezes que se trata de uma surpresa, digo que "A Mentira" é talvez uma das melhores comédias pra ser vista num sábado à tarde em casa, largadão no sofá. A diversão é já garantida.

Olive (Emma Stone) é uma típica estudante colegial. Quando ela tenta encontrar uma maneira de não aceitar o convite de sua amiga Rhiannon (Alyson Michalka) para passar um fim de semana na casa de seus pais, ela inventa que terá um encontro com um cara mais velho. Na outra semana, enquanto sua amiga insiste em que ela conte o que houve no tal encontro, ela inventa que fez sexo com ele. A mentira que deveria ser inocente acaba sendo ouvida por Marianne (Amanda Bynes), a fanática religiosa que comanda um grupo de evangélicos tentando manter a lei dos bons costumes divinos na escola. A mentira acaba se espalhando, fazendo com que Olive se torne a garota mais popular do colégio - coisa que ela nunca esperou ser - e gosta da situação. Garotos virgens e perseguidos acabam dando alguns presentes para que ela confirme que transou com eles, e com isso, ela se torna mal falada e se compara com Hester Prynne, a sofrida heroína de "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne.

Olive já se difere das típicas garotas retratadas pelos filmes colegiais por ser inteligente e perspicaz. Por ser apaixonada por "A Letra Escarlate", ela toma a decisão de carregar no peito o famoso “A” em vermelho que a protagonista do livro é obrigada a usar em pleno século XVII, ao ser impiedosamente acusada de adultério. Ela inclusive recomenda que todos leiam o livro ou veja o filme (“o original, não aquele com Demi Moore fazendo um sotaque britânico sofrível”). As personagens do filme e do livro, levando em conta as diferenças temáticas, carregam uma semelhança interessante, cada uma no seu meio histórico. E não é querendo alçar "A Mentira" como algo de importância histórica. O que interessa aqui é perceber as citações bibliográficas (dividindo espaço com a Bíblia e "Crepúsculo") e em como elas assumem uma linguagem pop.

O filme possui suas deficiências. Boa parte delas quando a família de Olive é mostrada. Os pais são os simpáticos Stanley Tucci e Patricia Clarkson, que aqui estão forçados demais. Melhor ignorá-los, assim como Lisa Kudrow, que ainda se mantém como uma coadjuvante de causar dó, insistindo em desencarnar da Phoebe de "Friends". Mas os coadjuvantes são inevitáveis, e no final, de pouco importa se alguns atores estão ou não em sua melhor forma. Afinal, eu já devo ter dito que o filme é pra ser visto despretensiosamente, e assim sendo, podem ser enxergados alguns traços de boa vontade e sacadas muito bem alinhadas no roteiro, que ainda contém boas cenas nostálgicas homenageando os filmes de John Hughes, diretor de verdadeiros ícones oitentistas como "Curtindo A Vida Adoidado", "Gatinhas e Gatões" e "Clube dos Cinco".

"A Mentira" é assumidamente um exemplar de filmes descartáveis, mas que consegue a proeza de ser inteligente ao ponto de se tornar algo bom de ser assistido. 

sábado, 26 de março de 2011

A Suprema Felicidade [2010]


(de Arnaldo Jabor. Idem, Brasil, 2010) Com Jayme Matarazzo, Marco Nanini, Dan Stulbach, João Miguel, Maria Luísa Mendonça, Elke Maravilha, Mariana Lima, Ary Fontoura, Maria Flor. Cotação: *

Quem conhece Arnaldo Jabor sabe da verborragia característica que ele faz questão de exaltar seja no Jornal da Globo, nos seus escritos ou até mesmo em sua tímida filmografia, que estava no hiato desde o interessante "Eu Sei Que Vou Te Amar", de 1984. 26 anos depois, ele volta à direção de um longa em um dos trabalhos mais vergonhosos do cinema nacional do ano passado - e já me adianto a dizer –, talvez dos últimos anos. A verborragia de Arnaldo foi devidamente transportada para um filme medíocre, onde apenas o esforço de Marco Nanini poderia aliviar algum ponto na situação.

No início do filme, vemos a comemoração do “fim da Segunda Guerra Mundial”. Logo depois, vemos um letreiro anunciando que a cena se passa em 1945, evidenciando uma redundância que só pode estar lá para subestimar a inteligência do espectador. Até aí, embora seja um erro recorrente mais uma vez sendo usado, não chega a ser o mais preocupante. O filme passa então a seguir um fluxo descontínuo sobre o crescimento de Paulinho, no Rio de Janeiro dos anos seguintes. Acompanhamos sua infância, tendo que conviver com as constantes brigas entre seus pais, principalmente devido à opressão machista de seu pai Marcos (Dan Stulbach) sobre a sua mãe Sofia (Mariana Lima). É mostrada também sua pré-adolescência em um colégio religioso até a sua fase pré-adulta, vislumbrado com os cabarés da Lapa e prostitutas performáticas. Sempre tendo uma forte relação com seu avô, o boêmio Noel (Marco Nanini).

Semi-baseado na história do próprio Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade" demarca um estilo feito para apreciar principalmente as reconstituições. A direção de arte poderia ser o grande trunfo do filme, porém, o que se vê é algo esboçado que poderia muito bem ser visto em uma novela das seis, um bairro tipicamente cenográfico. A edição, que antes adotou a redundância que já citei, não foi fiel às passagens de tempo que soou caótica. Uma hora vemos Paulinho já crescido, ora conhecemos a forma como seus pais se conheceram. Esse não seria um erro grave caso acontecesse de forma natural e aceitável. Mas aqui é tudo picotado e sem nenhuma justificativa plausível. Ou seja, em determinada altura, do que importa saber que os pais de Paulinho se conheceram em um baile e engataram uma conversa sobre "O Morro dos Ventos Uivantes"? Para demonstrar que antes eles se amavam? Mostrar como seu pai era educado? Essas ou outras perguntas não chegam a ser pertinentes porque os personagens em questão são tão mal construídos que duvido se alguém estaria interessado em saber sobre o passado deles.

Pegarei justamente Marcos como exemplo para mostrar o que é um personagem falho. Extremamente machista, o homem consegue se deliciar com cenas da guerra (ele é aviador), com bombas explodindo em território inimigo, sem nem inibir-se com a presença de sua sogra, que é polaca (Elke Maravilha surpreendendo). É capaz de tratar sua mulher de forma inexplicável, sem parecer algo que acontece normalmente por aí (o fato de esposas quererem trabalhar e se verem proibidas por seus maridos). O filme vai avançando e a única certeza que temos é que Marcos é apenas isso, sem nenhuma surpresa ou algum tratamento humanizado. Quando finalmente, em uma conversa com o filho - após este descobri-lo em um bordel – reservaria alguma virada, simplesmente nada sai do lugar. Resumindo, ao manter o personagem sempre com aquele ar bufão e machista, o roteiro admite a unidimensionalidade do personagem, algo esperado apenas em uma novela que, como todos sabem, eu aponto com um dos principais pecados do cinema brasileiro.

As mulheres do filme são as piores personagens. Parece que a regra de Jabor é que todas tenham algum tipo de desequilíbrio. A mais evidente - a encarnada por Maria Flor - atua em cenas de causar vergonha alheia. E todo o tempo para apresentá-la, fazê-la misteriosa, para depois da tal cena vergonhosa a personagem ser simplesmente... esquecida! Da mesma forma ocorre com o melhor amigo de Paulinho, com claras inclinações homossexuais, logo após discutíveis cenas de flerte com um figurante, também é absolutamente ignorado sem uma mínima explicação. Falhas graves pontuadas num roteiro ridículo que retrata o crescimento de um personagem que em nenhum momento soa relevante. Perguntado por uma garota sobre o que ele faz, ele responde algo como “Sei lá, acho que escritor”, sendo que em nenhum momento o vemos lendo ou escrevendo alguma coisa que se preze.

A pretensão artística (vista, por exemplo, em uma cena ridícula onde uma prostituta é esfaqueada ou nos discurso vazio de outra meretriz de dezesseis anos) ou até mesmo no argumento principal, também é determinante para o filme ter saído algo tão ruim. Desde quando Arnaldo Jabor teria cacife pra filmar seu próprio "Amarcord" de Fellini?. O elenco é desprezível. Com exceção de Marco Nanini, nenhum se salva, apesar do esforço dos talentosos Dan Stulbach e Ary Fontoura. Os atores que interpretam Paulinho nas três fases são horríveis, principalmente Jayme Matarazzo, o mais importante e principal responsável pelo desinteresse que somos levados a sentir pelo protagonista.

Mais uma vez livrando a cara de Nanini, que aqui tira leite de pedra, nada redime "A Suprema Felicidade", que no fundo tem um ponto a se considerar: a obra é a cara de seu idealizador. Só resta saber se o fato de "A Suprema Felicidade" ter a cara de Arnaldo Jabor é um elogio a ser levado em consideração. Fica a pergunta.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sexo Sem Compromisso [2011]


(de Ivan Reitman. No Strings Attached, EUA, 2011) Com Natalie Portman, Ashton Kutcher, Kevin Kline, Cary Elwes, Greta Gerwig, Lake Bell, Olivia Thirlby. Cotação: *

Reza a lenda que quando um artista ganha o Oscar, sua carreira vai para o limbo. Escolhas ruins para projetos e atuações medíocres que fazem com que o Oscar tenha sido algo inexplicável. Foi assim com Mira Sorvino, Cuba Gooding Jr., Marisa Tomei e Halle Berry, para citar os casos mais famosos. Ainda não é hora de saber se isso irá pegar em Natalie Portman, mas todo cuidado é pouco. A infelicidade dela (ou não) é saber que "Sexo Sem Compromisso" é o primeiro filme protagonizado por ela que nós vemos após sua merecida vitória de Melhor Atriz no Oscar deste ano pelo seu visceral desempenho em "Cisne Negro". E avaliando a canalhice do filme, não tem como não pensar na “maldição do Oscar”.

Natalie interpreta Emma, uma médica bem sucedida que após vários encontros e desencontros (acontecidos das formas mais absurdas) com o produtor de TV Adam (Ashton Kutcher), acaba transando com ele (por uma razão mais absurda ainda). Acontece que ela não é o tipo de mulher que queira um relacionamento sério. O que ela propõe é uma “amizade com benefícios”, alguém com quem ela transe ocasionalmente e não tenha a obrigação de ligar no dia seguinte. Ele inicialmente topa a proposta, mas obviamente sabemos que os dois acabarão se envolvendo a ponto de concluir que esse tipo de relação não é uma ideia tão boa quanto Emma planejara.

Essa discussão sobre “Amizade com benefícios: tem como dar certo?” é quase uma questão sabotada pelo filme, até porque, durante todos os anos em que os personagens centrais se encontram, sempre rola aquela tensão entre casais que são secretamente apaixonados, de ambas as partes. Ou seja, não tem como levar a sério o argumento apresentado pelo filme, não só por ser um gênero que já é previsível, mas por situações que não fazem a curiosidade se tornar presente. Logo no início, ao mostrarem que Emma se sente incomodada por Adam ter uma namorada (a cena se passa um tempo antes do presente cronológico do filme), já temos a certeza de que, mesmo que ela seja prática o suficiente por não querer se envolver, ela com certeza não é tão imprevisível assim.

Por acompanhar a carreira de Natalie de perto por tanto tempo (é uma das minhas preferidas atualmente), acabo a vendo como uma profissional séria demais. Por isso me impressiona que ela, além de atuar numa comédia romântica com Ashton Kutcher (percebam o nível!), e não só, produzir o projeto, acaba sendo algo incômodo. É válido por um lado, porque temos a certeza de que ela é multi talentosa em qualquer gênero ou situação, porém é desvantajoso pra ela, principalmente no ponto atual que se encontra sua carreira. Não que ela não teria permissão para se lançar numa comédia romântica (Natalie é capaz de tudo), mas a vendo num filme que não funciona em quase nada, é inevitável perguntar “Por que agora?”.

Ashton Kutcher continua o mesmo bobão, sempre parece interpretar a si mesmo. Nenhuma supresa até aí. Kevin Kline fazendo um astro de TV envelhecido apresenta bons momentos, até surpreende, mas ele faz parte de um conjunto de coadjuvantes de circundam o casal principal, e todos, exatamente TODOS eles são desinteressantes e vergonhosos, além de existirem em função de Adam e Emma. Nenhum é capaz de se sobressair como aqueles amigos engraçadões do cara ou as amigas – e o típico amigo gay – da garota. Ou seja, "Sexo Sem Compromisso" é tão comum quanto a maioria das comédias românticas, o diferencial é trazer como protagonista a notável Natalie Portman, que está pelo menos graciosa e ilumina um pouco a tela, mesmo quando acompanhada de Ashton Kutcher.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Temple Grandin [2010]


(de Mick Jackson. Idem, EUA, 2010) Com Claire Danes, Julia Ormond, David Strathairn, Catherine O'Hara, Stephanie Faracy, Melissa Farman. Cotação: *****

Há muito tempo venho querendo falar sobre "Temple Grandin", uma pérola produzida para exibição na HBO americana, que apresenta Claire Danes em seu melhor desempenho até agora (e acredito que de toda a sua carreira),  contando de forma emocionante a história de Temple, uma mulher autista que revolucionou a indústria frigorífica nos Estados Unidos, que hoje conta com metade de seus centros de produção bovina utilizando as técnicas estudadas por ela. O filme tem um poder de atração quase inexplicável, que nos mantém curiosos pela história de vida de uma mulher que não decaiu frente às suas limitações e enfrentou até o sexismo para conseguir ser hoje uma das mais respeitáveis cientistas americana.

Através de uma edição bem feitinha, com flashbacks e avanços temporais, acompanhamos a história de Temple Grandin, até então uma garota entusiasmada que vai passar as férias na fazenda de sua tia Ann (Catherine O’Hara). Lá, ela inicia uma paixão imediata pelos animais de grande porte, em especial o gado, que segundo Temple, possuem uma forma de se expressar que só ela entende. Mesmo se divertindo nessa temporada de férias, ela logo irá para a universidade, onde terá que conviver com pessoas que ela diz não compreender (“as garotas são tolas e as pessoas ficam lançando olhares que eu não entendo”). Infelizmente nada será como antes, quando estudou numa escola para adolescentes especiais e teve um forte laço com seu professor de ciências, Dr. Carlock (David Strathairn). E os conselhos desse professor e de sua mãe fizeram com que ela alcançasse méritos e reconhecimento pela sua coragem e exemplo de vida.

O discurso de Temple é simples. Tudo o que ela quer é respeito pelos animais. Os defensores ferrenhos -  vegetarianos, vegans e afins - pensam que a indústria dos animais é um mal a ser eliminado. Mas Temple diz que o problema não está no consumo da carne animal, e sim na forma como ela é executada ainda nos matadouros. Segundo ela, a vida segue uma lógica tradicional, uma cadeia alimentar. E entre morrer sendo estripada por um leão e ser bem tratada numa fazenda para morrer com dignidade e o devido respeito, logicamente ela iria querer a última opção. E é com essa visão em prol dos animais que ela resolve se especializar em psicologia animal e seguir a carreira acadêmica, concluindo seu mestrado e doutorado estudando a comunicação entre bovinos e a melhor forma de manejo na criação destes.

Falando de sua “limitação”, podemos nos surpreender ao ver que Temple não é aquele autista que não se comunica e sempre está inerte se balançando para frente e para trás repetidas vezes. Temple, mesmo que não tenha falado até os quatro anos de idade, conseguiu não só se socializar (dentro do permitido por ela), como foi bem mais longe. E o mérito se deve a sua mãe, que nunca a manteve como uma pessoa incapaz. E ela reconhece isso de maneira emocionante em um lindo discurso feito para um público composto de pais de filhos autistas. Tão emocionante como a cena em que ela canta (desafinadíssima) a canção “You'll Never Walk Alone" na formatura de sua graduação.

Se fosse produzido para o cinema, o Oscar de Natalie Portman estaria ameaçado por Claire Danes. Numa interpretação que poderia muito bem cair numa caricatura, ela consegue adentrar no universo interno de Temple, que leva tudo no seu sentido literal (se a tia diz que em sua casa, ela acorda com o galo, ela vai imaginar sua tia cacarejando de manhã cedo) e foi capaz de inventar uma “máquina do abraço” para se sentir confortável em meio às suas crises. Por não aceitar o toque das pessoas, ver Julia Ormond fazendo uma mãe que não pode abraçar sua própria filha é apreciar um trabalho digno. Danes, por sinal, pode não ter sido vista no Oscar, mas garantiu prêmios por sua atuação no Globo de Ouro e no Emmy, sempre acompanhada pela verdadeira Temple Grandin.

É comum nos afeiçoarmos com uma linda história de vida quando se trata de uma obra biográfica composta por todas as formas de dramatização do cinema americano - embora aqui se trate de uma produção para a TV. Mas "Temple Grandin" é a prova de que mesmo assumindo as maneiras corretas de se contar uma história, é capaz de ser algo incrivelmente delicado e que deve ser descoberto pelas pessoas. Eu faço a minha parte em recomendar.

sábado, 19 de março de 2011

Não Me Abandone Jamais [2010]


(de Mark Romanek. Never Let Me Go, Reino Unido, 2010) Com Carey Mulligan, Andrew Garfield, Izzy Meikle-Small, Charlie Rowe, Ella Purnell, Charlotte Rampling, Keira Knightley. Cotação: ***

Ao procurar informações sobre "Não Me Abandone Jamais" antes de assisti-lo, eu percebi que descobria pouca coisa sobre o enredo. Os motes eram rasos e poucas informações eram dadas. Fui assisti-lo quase às cegas e nem imaginava que saber pouco sobre a história foi muito benéfico, tanto para as surpresas que tive nas revelações, quanto no surpreendente lirismo da obra que é talvez uma das coisas mais bonitas de se ver quando estamos fartos de filmes pretensiosos que dão mais valor à forma do que conteúdo. E caso queiram ir ao cinema para ver algo mastigado e leve, "Não Me Abandone Jamais" deve ser sua última opção.

Justamente por também não querer revelar muita coisa sobre a história, devo ser o mais superficial possível ao falar sobre a sinopse. Basicamente fala a história de Kathy (Carey Mulligan), uma mulher que nos conta sua infância num colégio interno misterioso. Sem saber do que se trata aquele lugar que guarda tantos segredos e impõe à saúde das crianças em primeiro lugar, ela se mantém sem se questionar, assim como todos os seus colegas. Ela se apaixona por Tommy, um novo garoto que possui constantes acessos de raiva (Andrew Garfield, na fase adulta), mas ele acaba se envolvendo com a melhor amiga de Cathy, Ruth (Keira Knightley, na fase adulta). Ao longo dos anos, acompanhamos a amizade dos três, que possuem uma causa nobre e imposta em comum, que contempla, acima de tudo, o valor da vida num contexto sobre avanços científicos.

É importante também saber que "Não Me Abandone Jamais" não é um drama vazio. Ele apresenta inúmeras questões filosóficas que poderia muito bem servir de base para um bom estudo teórico, e para quem quiser se aprofundar, o filme é baseado na obra homônima de Kazuo Ishiguro, que já se encontra na minha listinha de livros a serem lidos muito em breve. No começo, eu julgava se tratar de um romance meloso, drástico e de um final extremamente previsível. Engano meu. Desde o começo, o mistério em torno do conceito de “Original”. “missão” e “Possíveis” já demonstram que se trata de um drama calcado em uma ficção científica. Se visto como um drama, o filme é pesado. Tão denso que leva à exaustão. Como ficção científica, a coisa já é mais satisfatória, nos deixando maravilhados com a inteligência do roteiro.

E por conta desse duplo tratamento, o lado dramático é o que mais pesa sobre as revelações que serão feitas. O filme, caso eu conhecesse os detalhes do conteúdo, certamente me cansaria bem mais do que me cansou. É contemplativo em alguns momentos e exige do espectador uma boa vontade especial para assisti-lo. Os atores estão ótimos. Keira está surpreendente ao ponto de considerá-la uma atriz disciplinada, e está diferente, dando mais valor à caracterização do que a sua beleza indiscutível. Carey Mulligan ("Educação") e Andrew Garfield ("A Rede Social"), dois dos novos rostos que se deve prestar atenção, estão devotos e impressionantes, mesmo que em alguns momentos pareçam over demais (numa obra como essa, a linha é tênue). A fotografia de Adan Kimmel ("Capote") é belíssima, capaz de ser um dos grandes responsáveis pelo clima ultra depressivo do filme.

Não se trata de um programa para a família. "Não Me Abandone Jamais" deve ser, acima de tudo, um filme feito para pensar e lastimar.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Em Um Mundo Melhor [2010]



(de Susanne Bier. Hævnen, Dinamarca, 2010) Com Mikael Persbrandt, Markus Rygaard, Trine Dyrholm, Toke Lars Bjarke, William Jøhnk Nielsen. Cotação: **

Nem precisei chegar ao término de "Em Um Mundo Melhor" para me pegar indagando sobre as opiniões favoráveis a ele. Não basta ter garantido o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro nesse ano, fico inquieto ao pensar que o filme tem seus admiradores que dizem enxergar belas lições sociais e filosóficas nesse novo filme de Susanne Bier ("Coisas Que Perdemos Pelo Caminho", "Depois do Casamento"), mais uma vez contando com o coleguismo do roteirista Anders Thomas Jensen. A cineasta em nenhum momento apresenta algo novo na sua filmografia recente e se utiliza do exagero no melodrama para questionar de uma forma “dolorosa” a origem dos grandes problemas geopolíticos da atualidade ou desde sempre: a intolerância.

"Em Um Mundo Melhor" trata de duas histórias paralelas que se cruzam diante de algumas situações trágicas. E duas figuras se tornam os elementos que impulsiona o grande contraponto que Susanne vai trabalhar na sua tese. O médico sem fronteiras Anton (Mikael Persbrandt), que trabalha em um campo de refugiados africanos e com o pouco tempo que usufrui para sua casa, tem que lidar com seu casamento recém terminado por conta de sua infidelidade. Em outro plano, mais precisamente em Londres, conhecemos Christian (Jøhnk Nielsen), um garoto que perde sua mãe vitimada com um câncer e vai com seu pai morar com a avó na Dinamarca. Lá também se encontra a ex-mulher e os filhos do médico Anton (que na verdade é sueco). O mais velho, Elias (Markus Rygaard), é uma criança frágil que sofre bullying na escola, e Christian acaba se aproximando dele de uma forma protetora, mas seu luto mal resolvido acaba gerando uma rebeldia inesperada que ligará os dois garotos intensamente.

Anton e Chrstian são os dois lados de um mesmo questionamento. O médico é pacífico, a ponto de ser chamado de covarde pelo próprio filho. Em uma cena que de tão incômoda chega a ser impressionante, ele ensina às crianças a razão dele em não revidar truculência, enquanto acaba de ser vítima de agressão. Para ele, agir com violência acaba gerando ainda mais violência (“É assim que as guerras começam”, como em um momento o pai de Christian diz, demonstrando que ele reparte da mesma idéia de Anton). Mas essa passividade toda é incompreendida pelo garoto que ainda não sabe como lidar com a morte de sua mãe e também parece não entender a forma fria e distante de seu pai em relação a isso tudo. Sua resposta se dará através de atitudes inconseqüentes, perigosas e irresponsáveis (como estar no alto de um prédio), que para a diretora do filme, são o que há de mais expressivos em relação ao perigo que aquela criança representa.

Mas todo esse estudo de personas, apesar de ser claro em todo momento do filme, apresenta algumas questões que acabam sendo quase ignoradas pelo roteiro. Ao mostrar o embate entre Anton e o chefe de uma milícia violenta que dizima mulheres grávidas nessa região miserável da África, Susanne nos dá as melhores cenas de "Em Um Mundo Melhor", abrindo mais espaço para a evolução dramática de seu personagem, que acaba voltando para a Dinamarca e parece ganhar uma visão mais crua de determinadas situações da vida que pareceu ter sido aprendida por ele. O fato é que suas apreensões filosóficas sobre a morte, a importância da família e o como têm de lidar com a violência evidenciam um clichê que Suzanne insiste em utilizar. Já é característico dela.

Embora tenha um arco dramático bem apresentado, dois atores mirins competentes e uma fotografia belíssima que vislumbra belas paisagens dinamarquesas, "Em Um Mundo Melhor" peca pelo marasmo e discursos enfadonhos que denotam o protesto de Suzanne em relação aos problemas sociais de seu país, confrontando com o drama de um país africano (!). A mulher é pretensiosa. Mas essa pretensão, como disse, tem seus admiradores e a fez ser premiada pelo filme em questão. E numa edição de Oscar que dentre outros termos, eu ditei como “um ano de retrocesso”, a vitória de um filme com tantos chavões honestamente não me impressiona nem um pouco.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Lixo Extraordinário [2010]


(de Lucy Walker. Waste Land, Inglaterra/Brasil, 2010) Documentário. Cotação: *****

Antes de qualquer coisa, devo ressaltar que "Lixo Extraordinário", documentário indicado ao Oscar deste ano e vencedor de Festivais importantes como Sundance e Berlim, está além de um documento cinematográfico. É uma verdadeira experiência sentimental capaz de nos fazer dar valor ao que muitos não se dão ao direito de sentir. Serve como protesto, um grito de excluídos que estão à deriva, mas que aos poucos passam a perceber que têm o seu valor. Eles são catadores de lixo do maior aterro sanitário da América Latina, localizado no Jardim Gramacho, Rio de Janeiro. Essas pessoas são as responsáveis pela comprovação de que é possível fazer com que a arte desempenhe um papel social que muitas vezes soa como uma utopia.

Sim, utopia. No início do filme, o artista plástico Vik Muniz introduz "Lixo Extraordinário" se apresentando de uma forma até mesmo arrogante. Ainda na primeira tomada, podemos ver Jô Soares apresentando seu característico programa e chamando pra entrevista alguém que ele considera “um dos maiores artistas plásticos da atualidade”, numa bajulação até mesmo gratuita, como se precisasse do Jô para confirmar a magnitude de seu nome. Vik, ainda nos primeiros minutos do filme, diz que sua intenção em trabalhar num lixão brasileiro é principalmente mudar a vida daqueles que vivem à margem da sociedade, num limite geográfico onde se briga com urubus para tirar o sustento. E a dificuldade da tal tarefa é pequena tendo em vista o grande valor humanitário da sua idéia.

O talento reconhecido de Vik Muniz logo é apresentado de forma eficaz. Suas obras são de uma beleza visual impressionante, chegando até mesmo ao ponto de ser ilustrado, agora de forma mais sutil (não descarada) o grande artista que ele é, com uma história de superação, saindo de sua vida humilde em São Paulo para ganhar as galerias de artes de Nova York. Chegando ao Rio, já no temível aterro no Jardim Gramado, "Lixo Extraordinário" passa a ser outro filme, ganha uma beleza. Forma-se aí um das mais belas lições que aquelas pessoas aprenderão. E nós – com certeza – aprendemos muito mais.

Em meio às montanhas de lixo, surgem as figuras que nós mesmos não damos o devido valor até nos questionarmos a importância deles: os catadores de lixo. Aliás, catadores de lixo não, catadores de materiais recicláveis (!). São eles os responsáveis pela proteção da natureza, evitando que a degradação ambiental seja um problema menos devastador do que poderia vir a ser. Somos apresentados a Tião, Zumbi, Isis, Suelen, entre outros que, mesmo com uma vida tão sofrida e que muitos nem se imaginariam em tal situação, levam  a vida conformados o quanto podem, por vezes felizes e até mesmo orgulhosos por estarem fazendo um trabalho digno.

A proposta de Vik é fazer das imagens mais simplórias um molde para uma obra artística moldada através do próprio lixo recolhido no aterro e selecionados pela associação responsável por representar os catadores. Tião (Presidente da Associação de Catadores do Jardim Gramacho), que logo demonstra uma curiosidade admirável por aventurar-se em ler Maquiavel e Nietzsche, protagoniza uma releitura da famosa pose de morte do revolucionário Marat na banheira, assassinado por Charlotte Corday (obra de Jacques-Louis David). E a partir daí, outros nomes são retratados de igual maneira, participando ativamente da produção dos trabalhos artísticos.

E a transformação - que antes parecia tão ingênua ao ser discursada por Vik Muniz na introdução - acontece diante de nós.

Quem antes tinha até vergonha de seu trabalho, passou a ter orgulho. Pessoas desacreditadas, sofridas, passaram a ganhar seu merecido valor, e o principal, ganharam voz. Seus rostos foram parar em Londres, sendo admirados por intelectuais em museus, dividindo espaço com Basquiat e sendo leiloados juntamente com peças de Andy Warhol. E o mais bonito é ver a reação deles diante do sucesso, com gratidão nos olhos e dizendo “fui eu que fiz”. Isso é sinal de que a intenção de Vik Muniz foi completada com sucesso e de maneira edificante. Com isso, até esquecemos o Vik Muniz do inicio da projeção (o que se vangloria de seu sucesso) e conhecemos o lado humano do artista. E coube a ele o papel de fazer a mudança que lhe cabia.

"Lixo Extraordinário" é certamente um dos mais belos trabalhos do ano. Visto para gringo ver, é verdade (até as conversas entre Vik com seu braço direito Fábio ou com sua esposa, todos brasileiros, são faladas em inglês). Mas num conjunto, trata-se de um sentimento nobre: a arte com seu devido valor social. E isso, deve ser interpretado e apreendido de maneira universal.

sexta-feira, 11 de março de 2011

O Anticristo [2009]


(de Lars Von Trier. Antichrist, Dinamarca, 2009) Com Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg. Cotação: ***

Filmes do dinamarquês Lars Von Trier incomodam. Isso é de conhecimento de quase todos que já o conhecem. Mas para mim, ao contrário do que a maioria pensa, não incomodam pelo fato da narrativa provocar uma angústia quase insuportável em seus espectadores, mas sim por um desvio do próprio cineasta: seu ego exacerbado. Não permitindo sequer que os nomes dos atores ou de sua equipe sejam creditados (o nome dele é o único que aparece além do título), isso parece pouco ao constatar que toda sua narrativa terá que ser cavada por quem assiste a este filme, pois ele fez à sua maneira para aqueles que gostam de subjetividade.

Estruturado em capítulos, "O Anticristo" se inicia com um belíssimo prólogo, que reserva as melhores cenas do filme. Vemos em câmera lenta o casal de protagonistas entregues em tórridas cenas de sexo enquanto o filho deles se encaminha para uma janela. A tragédia anunciada é embalada pela lamuriante "Lascia Ch'io Pianga", da ópera Rinaldo, que serve de trilha à sempre estonteante fotografia de Antony Dod Mantle. Após a morte da criança, é iniciado um verdadeiro mergulho aos sentimentos que pode muito bem serem contidos na barca “primitiva” do ser humano: dor, desespero e sofrimento.

A mãe, uma intelectual, é a que mais sofre com o sentimento de culpa e mal consegue lidar com a fase do luto, se considerando incapaz, e o pior, uma verdadeira fracassada em relação a sua feminilidade (o que fica evidente em uma cena nada sutil). Seu marido, um terapeuta que acredita poder tratar a Mãe, busca ajudá-la através do confronto de seus medos. Mas lidar com uma natureza tão complexa quanto a de sua esposa, pode culminar num espiral de sentimentos que facilmente pode passar do arraigado para o violentamente exteriorizado.

Ao partirem para um lugar isolado chamado Éden (numa citação óbvia ao lugar primordial da Bíblia), é dada a continuidade a um verdadeiro estudo de simbologia no Cinema. São inúmeros deles, e cada pessoa pode refletir sobre seus significados. Os mais racionais pode ver os tais três mendigos ou nos três animais (o cervo, o corvo e a loba), uma alusão às estruturas do aparelho psíquico criada pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. Os mais religiosos podem se atentar à Trindade. E os humanóides (eu, por exemplo) preferem ver como analogia da tripartição da alma feita por Platão, onde a alma é dividida entre racional, emocional e o concupiscível.

Essa (minha) visão é fundamentada nas atitudes emblemáticas da Mãe (o nome dela, assim como o do Pai, não chega a ser revelado). Ao dizer que “a Natureza é a Igreja de satã”, ela pode muito bem remeter aos enganos que o mundo sensível pode causar, e consequentemente, que exista um nível que pode curá-la (o mundo das Idéias, talvez). A concupiscência, ou seja, a libido sexual dela pode ser uma busca levada às últimas consequências para amenizar sua dor, como se o prazer sexual substituísse a dor de uma mãe que perde seu filho.

Não saberia dizer qual visão estaria certa ou errada., quem diria poder afirmar se a minha interpretação seria a mais “correta”. Cada um faz a sua leitura da forma como achar conveniente, e abrir mão disso assistindo ao filme com uma visão objetiva demais pode fazer dele uma obra barata e sádica.

Talvez até seja. Não é certo afirmar que a única maneira de um filme artístico produzir uma reflexão tenha que mostrar um animal em vísceras, uma mulher se auto-mutilando e um orgasmo sanguinolento. Somente a genialidade de Lars Von Trier ao se utilizar de tomadas sintomáticas para ilustrar a ansiedade da Mãe (tontura, boca seca, audição distorcida, tremores, pulso rápido, náuseas). Somente essa idéia já o torna genial. Mas nem toda genialidade deve ser exposta de maneira comum aos olhos do grande público. Embarcar no clima sombrio de "O Anticristo" pode ser uma deliciosa aventura, lógico, para aqueles que gostam do universo egoísta e por vezes misógino do diretor.

Do contrário, podem considerar a obra como uma utilização do gore bizarra e dispensável.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Bananas [1971]


(de Woody Allen. Idem, EUA, 1971) Com Woody Allen, Louise Lasser, Carlos Montalbán, Nati Abascal, Jacobo Morales, Miguel Ángel Suárez. Cotação: ***

Uma coisa é importante ser frisada: Woody Allen NÃO É um cineasta político, não tem pretensão para tal e NÃO DEVE ser confundido. "Bananas" certamente é uma obra que discute um problema histórico que está na configuração geopolítica de sua época: a questão dos movimentos revolucionários ocorrendo na América Latina, tendo como maior êxito a de Cuba, em 1959, que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, liderado por um dos maiores ícones revolucionário do séc. XX - Fidel Castro. Aliás, Fidel serve até mesmo como base para uma paródia hilária de Woody, ao se utilizar de uma barba falsa e tentar discursar sem saber direito o que está falando, contrapondo-se com Fidel, um verdadeiro orador capaz de discursar horas a fio.

Fielding Mellish (Woody Allen) não tem o emprego dos sonhos. Ele testa engenhocas projetadas por inventores em prol do bem estar das pessoas. Certo dia, bate em sua porta a estudante de Filosofia Nancy (Louise Lasser), uma militante pedindo a ele sua contribuição para um abaixo-assinado. Ela defende a libertação de San Marcos, na América Latina, que se vê governada pelo ditador militar General Emílio Molina Vargas (Carlos Montalbán). Eles começam um relacionamento, mas Nancy o abandona porque falta liderança por parte de Fielding, mesmo que sua nova realidade seja aceitar pedidos de piquetes em embaixadas. De saco cheio, ele parte para San Marcos, e sem saber acaba entrando no meio de uma conspiração política. Seqüestrado pelos guerrilheiros, ele então participa ativamente da revolução, e após o líder Esposito (Jacobo Morales) enlouquecer depois da tomada de poder, ele se vê a frente de todo o Estado.

O que temos aqui são dois pontos bem acentuados do cinema de Woody Allen. O primeiro deles é a crítica social que ele faz com suas famosas cutucadas. Na abertura de "Bananas", podemos ver uma transmissão ao vivo de uma execução. O até então presidente da República de San Marcos é atingido por tiros em frente ao Palácio, em frente à população. Todo o ocorrido é mostrado em tempo real por câmeras, com direito à narração de repórteres, enviados diretamente por um canal de esportes (!) de forma inteiramente sensacionalista, assim como vemos tão comumente em “jornais” do mundo inteiro até hoje. Allen não poupa nem mesmo a Igreja Católica, ao produzir um falso comercial de cigarro intitulado “Novo Testamento”.

O outro ponto importante que Allen trabalha não só aqui, mas também em grande parte de seus filmes, é o tratamento teatral e cômico de suas chamadas “esquetes”. Logicamente, não se trata do primeiro filme em que ele faz isso, mas aqui é mostrada a base do que estaria por vir. "Bananas", digamos, seria o marco inicial do Woody Allen que se tornou referencialmente conhecido. Boa parte desses momentos funciona de maneira justa quando seu personagem passa para os treinamentos em campos rebeldes. Como não rir com cenas onde Allen tenta se camuflar e acaba sendo surpreendido por outro combatente urinando na sua tocaia? E não só. A cena na qual ele tenta comprar revistas pornôs disfarçando com revistas como National Review é engraçadíssima!

Outros pontos marcantes do trabalho de Allen começam a ser mostrado, como sua forma bem humorada de lidar com questões existencialistas, o divã, a insegurança crônica e reflexões envoltas em frases de efeito (“A liberdade é maravilhosa. Mas por outro lado, morrer por ela é um atraso para sua vida sexual”). O tratamento estético ainda não é dado o devido valor, passando a ser existente em suas obras a partir de seus próximos filmes. Mas suas influências herdadas fortemente por Chaplin e gags que inspiraram outros comediantes, fazem de "Bananas" um marco cinematográfico no ramo das comédias, ainda que muita coisa aqui seja ultrapassada e até caricatural demais.

Mesmo com um tema tão passível à discussão e interpretações desnecessárias sobre influências histórico-políticas, Allen não dá espaço para uma abordagem muito polêmica. Em meio a uma revolução, as torturas são feitas ao som de operetas (é duro de aguentar mesmo) e os discursos não contém um pingo de moralismo. TUDO é levado no bom humor e na canalhice, no melhor estilo escrachado, e é isso que o difere de Chaplin, que concede mais margens às interpretações mais militantes em suas obras. Woody quer mais é fazer de uma história permanente sirva de subterfúgio para seus excessos de trapalhadas. E por fim, ter como resultado um filme de comédia com nuances “cabeça” por trás. E nesse ponto, ele é infalível.

Curiosidades: No início do filme, Sylvester Stallone aparece em uma ponta não creditada interpretando um dos assaltantes no metrô. E na cena da revolução, o carrinho de bebê descendo as escadarias do Palácio é uma referência direta ao filme "Encouraçado Potemkin", clássico de 1925 do diretor Sergei Eisenstein.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Bruna Surfistinha [2011]


(de Marcus Baldini. Idem, Brasil, 2011) Com Deborah Secco, Cassio Gabus Mendes, Drica Moraes, Fabíula Nascimento, Cris Lago, Erika Puga. Cotação: ***

Uma das coisas que um cinéfilo que se preze não deveria ter é o tal preconceito que muitos possuem. Muitas vezes surge naturalmente, fazendo com que muitos acabem criticando determinadas obras sem nem ao menos terem as visto. Os alvos são quase sempre os filmes nacionais direcionados ao grande público, e por um motivo (dentre outros) até coerente: o tratamento novelístico. Contudo, "Bruna Surfistinha", além de surpreender por não se render a esse aspecto, ainda conta com um elenco fabuloso, com destaque à estrela Deborah Secco, que já desponta um marco na sua carreira com esse filme.

Baseado livremente no best-seller nacional "O Doce Veneno do Escorpião", "Bruna Surfistinha" retrata a ascensão midiática de Raquel Pacheco (Deborah Secco), antes uma garota da classe média alta paulistana, estudante de um famoso colégio nobre de São Paulo, que decide fugir da casa dos pais para seguir a vida de garota de programa no privê de uma cafetina exploradora (Drica Moraes). Convivendo com outras prostitutas, ela percebe que seu “talento” natural está muito além do pouco cobrado por ela naquele ambiente. Em companhia de boas e más companhias e um empreendedorismo peculiar, ela decide trabalhar por conta e narrar sua vida em um blog que a tornou a garota de programa mais famosa do Brasil.

A vida de uma profissional de sexo por si só já detém a curiosidade de muita gente. Seu sucesso na internet e nas páginas de seu livro demonstra que a vida de Raquel, de maneira geral, não é diferente. Apesar de se tratar de uma prostituta por opção e começar a aflorar sua sexualidade de maneira gradual, sua história se torna um lugar comum quando defende que a vida “fácil” (de fácil não tem quase nada) é um poço que algumas mulheres caem e precisam ser regatadas um dia por um “príncipe” que vai tirá-la dali. E mais, a revolta da jovem Raquel nunca é explicitamente justificada, deixando a entender de maneira superficial que, por ser uma filha adotada e sua família não dialogar muito, é um indício de algo que ela precisa se libertar (?).

Mesmo com uma história tão batida e cheia de armadilhas, "Bruna Surfistinha" é bem empolgante na maior parte do tempo. O mérito? Os profissionais que trabalharam no filme, claro.

O diretor estreante Marcus Baldini demonstra uma incrível capacidade de entusiasmar com ótimas tomadas. Um exemplo é a forma até mesmo divertida que ele mostra o crescimento de Bruna no privê, com inúmeras passagens de clientes no ambiente de trabalho dela - um quarto pequeno e um colchão com lençóis que poucas vezes são trocados entre um programa e outro -. E ao apresentar o crescimento meteórico dela no mundo virtual, o trabalho gráfico é muito bem desempenhado.

O elenco é uma pérola. Além das presenças marcantes de Drica Moraes (sempre ótima) e Fabíula Nascimento (presente nas cenas mais divertidas), "Bruna Surfistinha" é a grande prova de fogo para Deborah Secco. Mais do que estar em plena forma (sua escalação foi discutível, porque convenhamos, a verdadeira Raquel Pacheco de bonita tem BEM pouco), Deborah está completamente liberta de sua canastrice noveleira, sendo capaz de dar veracidade interpretando, em um curto espaço de tempo, uma colegial tímida e revoltada, passando por uma ninfeta sedutora, até se tornar uma mulher realizada para cair no drama das drogas. E suas cenas de nudez e de sexo com os piores tipos masculinos – e é cada tipo! – nunca são forçadas e apelativas, embora tenha um teor sexual bem alto. É MUITO sexo.

Infelizmente, o trabalho destacável dessa equipe vai pelo ralo por conta de um roteiro frágil que vemos desmoronar aos poucos diante de nós. É como um castelo de cartas: ficamos impressionados com o feito no início, mas sabemos que basta uma pisada em falso e tudo vai abaixo. E isso acontece impiedosamente no terceiro ato, quando adentra no drama maior de Bruna, com tomadas de causar vergonha alheia. Fora alguns acontecimentos que se tornaram irrelevantes na tela, como o fato do ex-cliente e atual marido de Raquel ser casado quando a conhece e as peripécias dela em produções pornográficas, além de ignorar quase completamente sua família depois que ela sai de casa.

Mas no geral, "Bruna Surfistinha" diverte, tem bons momentos e não se atém no tratamento Globo de Produção no cinema. No máximo, uma grata surpresa.