quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Atração Perigosa [2010]


(de Ben Affleck. The Town, EUA, 2010) Com Ben Affleck, Rebecca Hall, Jon Hamm, Jeremy Renner, Blake Lively, Slaine, Pete Postlethwaite, Chris Cooper. Cotação: **

Ben Affleck comprova, mais uma vez, que é melhor diretor do que ator. Mas cá entre nós. Isso é um grande elogio? Até porque ele nunca foi levado a sério em frente às câmeras, sendo reconhecido muitas vezes como um grande canastrão, o que de fato ele é. Mas o que lhe falta em talento dramático, lhe resta em animosidade para sair de sua zona de conforto e enfrentar projetos pretensiosos que podem lhe render algum tipo de prestígio. Um risco enorme e uma atitude louvável. "Atração Perigosa" serve para mostrar que Affleck, apesar da mão pesada na direção e um roteiro de qualidade duvidosa, ao menos tem algo bom ao seu favor: ele sabe dirigir atores. Caminhando assim, quem sabe um dia ele alcance alguma maturidade.

Ao ter início, "Atração Perigosa" parece remeter a uma grande questão: como é a tal “cultura do crime” em Charlestown, um bairro de Boston dominado por quadrilhas que saqueiam os bancos dali. Um exercício criminoso comum e passado de pai para filho. Em um desses assaltos, a equipe de assaltantes liderados por Doug MacRay (Ben Affleck) e seu comparsa Jem (Jeremy Renner) aterroriza o banco no qual trabalha a gerente Claire Keesey (Rebecca Hall), numa atitude rápida, ela aciona o alarme, fazendo com que a peguem de refém e logo liberada. Mas ao descobrirem que ela também é uma moradora de Charlestown, o grupo fica receoso. Ao que Doug se prontifica a tomar conta dela, mas seu interesse evolui rapidamente para uma paixão.

Em meio a isso, o chefe do FBI Adam Frawley (Jon Hamm) está bem próximo de desmontar o esquema. Enquanto Doug imagina ter encontrado o amor de sua vida, pensando finalmente em sair dessa vida onde se vê pressionado pelo seu irmão de consideração Jem e do o estranho Fergus (Pete Postlethwaite), o encalço do FBI, e o fato de seu pai (Chris Cooper) estar na prisão, demonstram que ele não é feliz e planeja sua aposentadoria. Mas muitos fatores podem ir contra seus desejos.

Se "Atração Perigosa" focasse nesse duelo interno do personagem Doug de forma mais precisa, teríamos aí um filme que mereceria grande atenção. Infelizmente, essa premissa que parece ser tão bem introduzida no início é logo abandonada para dar espaço a uma história de amor que já começa torta. Toda a aproximação do casal protagonista parece forçada. Em pouco tempo de conversa, a personagem Claire já demonstra uma fraqueza absurda. E nem estou falando do fato ter sido raptada, e isso, conseguintemente causaria uma espécie de trauma. Mas a forma até mesmo ingênua como ela é levada a se envolver com Doug chega a ser irritante. Doug também não fica muito atrás, um grande ladrão (?) cujo maior decepção provém de sua infância solitária. Mas enfim, daí é uma tortuosa muleta promocional para Affleck desempenhar sua canastrice.

Sempre excelente em "Mad Men", John Hamm faz o típico chefe de departamento metido a salvador, mas as tentativas de torná-lo uma grande pedra no sapato do anti-herói acabam por trazer certo ar de antipatia ao personagem, o que não deixa de ser um clichê do gênero. O indicado ao Oscar Jeremy Renner, como eu previa, não traz um desempenho brilhante. Nada que sobressaia de sua carreira falha, mas também não chega a ser a pior coisa do filme. É esforçado, previsível e nunca mereceria estar entre os cinco melhores coadjuvantes do ano, a não ser que a Academia não tivesse opção de votos. E isso ela tem.

Ben Affleck venceu o Oscar de Melhor Roteiro por "Gênio Indomável", de 1997, que ele escreveu juntamente com seu amigo de infância Matt Damon. Uma vitória bem questionável, que a Academia até tenta esconder (naquele mesmo ano, concorria na categoria Paul Thomas Anderson e ninguém menos que Woody Allen). Mas o que "Atração Perigosa" deixa evidente é o desfecho penoso que Affleck deu para a história, numa tentativa de torná-la uma fita com um final por vezes poético. Por mais difícil que possa piorar, eu andei lendo que o final iria ser ainda mais vergonhoso (coisa que não posso contar), mas foi alterado após pesquisa pública.

Como premissa, o thriller pode agradar nas cenas de ação com perseguições nas ruas estreitas de Boston. No mais, Affleck insiste subestimando a inteligência dos cinéfilos.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Reino Animal [2010]


(de David Michôd. Animal Kingdom, Austrália, 2010) Com Ben Mendelsohn, Joel Edgerton, Guy Pearce, Luke Ford, Jacki Weaver, Sullivan Stapleton, James Frecheville, Dan Wyllie. Cotação ****

"Reino Animal" reúne todos os elementos esperados em um filme alternativo. De baixíssimo orçamento, a obra não traz um título desses sem intuito algum. De modo geral, se trata de uma fábula contemporânea que utiliza a violência do subúrbio de Melbourne, na Austrália, como o hábitat de uma família inserida numa guerra urbana. Em meio a isso, encontra-se um jovem tão vulnerável quanto um cervo manco, assustado com uma ninhada insolente de irmãos que estão sob os cuidados de uma leoa, a matriarca de um grupo intolerante. É uma forma de interpretação explícita que todos (ou ao menos os cinéfilos) deveriam embarcar.

"Reino Animal" se inicia já de maneira estranha. O adolescente J. (James Frecheville) assiste TV enquanto paramédicos resgatam sua mãe, morta por overdose. Sem ter a quem recorrer, ele liga para sua avó, Janine ‘Smurf’ (Jacki Weaver), que o acolhe em sua casa, onde mora com os filhos Darren (Luke Ford), Craig (Sullivan Stapleton) e o mais problemático, Pope (Ben Mendelsohn). O que J. não esperava é que acabaria sendo jogado numa família enfrentando uma guerra entre policiais e bandidos. Em meio a esse conflito armado, um amigo da família, o assaltante de bancos Barry (Joel Edgerton) é morto, o que dá inicio a uma série de acontecimentos que estará fora do alcance de J. Pelo menos até que ele desperte. Do outro lado, está o honesto policial Leckie (Guy Pearce) que quer ajudar o garoto ainda não contaminado, assim o protegendo do perigo que seus tios e a avó representam.

O diretor estreante David Michôd se baseia numa história real para retratar essa família criminosa. De maneira bem sutil, ele nos eleva a uma capacidade de raciocínio interpretativo muito bem. Não que seja tarefa fácil. Michôd tem em mãos um trabalho que foi capaz de torná-lo queridinho dos festivais mundiais de cinema. "Reino Animal" talvez seja seu grande trunfo, uma pérola em meio a tantos filmes que se auto vangloriam por se utilizar do baixo orçamento como desculpa para um tratamento estético tão sujo. Michôd pouco se importa com os detalhes estéticos, concentrando-se no efeito causado pelo clima estranho que ele apresenta. E pelo menos nessa parte ele consegue êxito. A sensação que temos é que o personagem principal precisa ser caça ou caçador. Uma decisão emergente. E no final, após o discurso fantástico que o policial Leckie faz para a “vovó Smurf”, vemos quem é de fato o predador.

Muito se fala sobre a atuação de Jacki Weaver. Não poderia deixar de repará-la. Jacki encarna uma mulher de força incrível. Mas seus melhores momentos se encontram já no ultimo ato, quando o desfecho está em suas mãos. Sua conversa com o advogado da família evidencia que seu rosto exótico e seu olhar hipnotizante junto à sua fala mansa (mesmo quando profere planos diabólicos) ajudam para que sua maturidade profissional apareça. Todos do elenco, grande parte amadores, fazem um bom trabalho, em especial o britânico Guy Pearce, que também esteve muito bem em "O Discurso do Rei". É um ator que vem fazendo boas escolhas na carreira há um bom tempo.

“Todos são assustadores, mesmo que não demonstrem”, diz a narração em off de J., que é abandonada de maneira rápida pelo filme. Ou seja, os personagens são capazes de atitudes extremas sem nenhum impedimento. Mesmo cúmplice do toda a situação, J. é um exemplo clássico do cidadão que submete-se às provações. Claro que "Reino Animal" não serve como discurso para o “despertar da sociedade” (ainda bem). O que é relevante aqui é analisar como estão sendo usadas as diversas simbologias, através da história dessa família, comparada a vida de animais em seu meio natural. É um verdadeiro convite pra isso.

Quem quiser assistir sem essa pretensão, terá uma grande oportunidade desperdiçada.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reencontrando a Felicidade [2010]


(de John Cameron Mitchell. Rabbit Hole, EUA, 2010) Com Nicole Kidman, Aaron Eckhart, Dianne Wiest, Miles Teller, Tammy Blanchard, Sandra Oh, Giancarlo Esposito. Cotação: ***

Mesmo com o nome de John Cameron Mitchell, idealizador do cultuado entre os alternativos "Hedwig – Rock, Amor e Traição", o que mais chamou atenção ao filme certamente foi o retorno de Nicole Kidman à boa forma. É quase impossível imaginar que uma atriz tão talentosa seja ao mesmo tempo tão mal aproveitada por conta de tantas escolhas ruins. E não digo somente profissionais. Ela fez tantos procedimentos estéticos – santo botox – que sua expressão ficou quase que inteiramente comprometida e a tornando uma versão penosa de boneca de cera. Deixando os comentários sobre o rosto de Nicole um pouco de lado, é crível que "Rabbit Hole" tem o desejo de ser mais que “o filme com o retorno de Nicole Kidman”. É uma tentativa, pelo menos.

Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) formam um casal que passou por uma das piores dores que pais poderiam passar. Eles perderam o filho de quatro anos, vítima fatal de um atropelamento de carro quando corria atrás do cachorro da família. O filme se passa cerca de oito meses após o acidente, quando aos poucos, os dois tentam restabelecer a vida social. Mas a tristeza profunda herdada da tragédia não é tão fácil de ser remediada. Howie tenta buscar ajuda em um grupo de apoio para pais enlutados e encontra esse apoio com a veterana do grupo, Gaby (Sandra Oh, a Dr. Yang da série "Grey’s Anatomy"). Becca já não consegue ter essa visão de compartilhamento da dor a fim de amenizá-la, sempre se confrontado com discursos religiosos ou tendo atrito com a propria mãe (Diane Wiest), que também perdeu um filho, e por conta disso, sempre acha que pode ajudar a filha.

A diferença primordial entre Howie e Becca é que esta não tem apenas uma dimensão. Ela tenta lidar com a perda à sua maneira, chegando a ser agressiva e tendo atitudes que para alguns podem ser incompreensíveis, até para o próprio marido (coisa que não vou contar, mas tem muito a ver com o título original). Os dois personagens centrais se encontram nesse desnivelamento emocional, um se esforçando mais que o outro para conseguir dar continuidade às suas vidas, mas que no fundo, muita coisa ainda não foi vista e discutida, e isso explode, é claro, em discussões após tentativas de reaproximação amorosa ou quando a idéia de um parece ser incabível pra outro, como a proposta de ter outro filho ou vender a casa que traz tantas lembranças.

É inevitável não continuar falando sobre Nicole Kidman, por uma razão simples: ela leva os filmes nas costas. Como obra de arte, "Rabbit Hole" (insisto em não usar o seu título nacional sofrível) não é uma grande maravilha e talvez passasse batido se não fosse o bom elenco. Kidman se encontra contida nos momentos certos, e apresenta de forma incrível a transição dolorosa de sua personagem. E mesmo que suas plásticas a tenham modificado tanto a ponto de não parecer mais àquela linda mulher de cabelos cacheados que conquistou Tom Cruise em "Um Sonho Distante" ou a cortesã Satine de "Moulin Rouge – Amor em Vermelho", ela utiliza sua transformação facial a seu favor, a tornando tão estranha quanto sua encarnação de Virginia Woolf em "As Horas", papel que lhe rendeu seu Oscar de Melhor Atriz em 2003. Eu inclusive cheguei a me impressionar com sua beleza (sim, beleza!) quando sua personagem resolve ir a seu antigo trabalho. Esguia e de pele alva, percebi que Nicole ainda se destaca em meio à multidão de figurantes que tem na cena em questão.

Tirando Nicole Kidman, o que sobra é um filme regular. Não traz uma grande resposta para o grande problema inicial, e o seu desfecho chega a causar desapontamento. O clima, que de inicio chega a ser harmônico, vai sendo tomado pela dor e. já no segundo ato. é perceptível o tom pesado nas discussões que já citei. É um filme artístico, obviamente, que não deve agradar boa parte do grande público. Acredito que não sirva nem como um discurso teórico de psicologia, de tão vazio que é. "Rabbit Hole" – que é baseado na peça de David Lindsay-Abaire e deve funcionar melhor nos palcos - certamente só não chega a ser um fracasso total por conta do esforço elogiável do pequeno elenco.

É para terminar o filme e sentir que presenciou a depressão através de imagens.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Namorados Para Sempre [2010]


(de Derek Cianfrance. Blue Valentine, EUA, 2010) Com Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman, Mike Vogel, Ben Shenkman. Cotação: ****

Filmes sobre relacionamentos não são raridades. Existem inúmeros deles sobre as mais diversas fases de um namoro, noivado, casamento ou até mesmo divórcio. Por conta disso, não esperava me surpreender com esse "Namorados Para Sempre" (titulo nacional ridículo por não ter definitivamente nada a ver com o título original, tampouco com o filme). Minha surpresa foi grande por ter me envolvido com uma obra que se despe de todos os sentimentalismos baratos para focar-se em duas pessoas que se amam, talvez só não com a mesma intensidade.

O filme trata sobre a história de amor entre Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), casados há cerca de seis anos, mesma idade da filha deles, a adorável Frankie. A atual configuração do casamento não é das melhores. Cindy está totalmente fora de sintonia com o esposo, e não chega a ser revelado de imediato o porquê. Dean, por outro lado, se vê ainda perdidamente apaixonado por ela, e reúne esforços para levá-la a um hotel para uma noite romântica, a fim de se reaproximar cada vez mais dela, e assim, reagrupar os cacos da vida conjugal que insistem em se multiplicar.

Ao mesmo tempo em que vemos ser explorado um casamento já esgotado, acompanhamos, através de uma edição respeitável, o início do namoro. A ansiedade juvenil deles nos leva a perceber que ambos estavam entusiasmados pela novidade do amor correspondido. Dean, em dado momento do filme, apresenta uma teoria bem válida. Segundo ele, os homens são nitidamente mais românticos que as mulheres. Enquanto elas estão preocupadas em se casar com aquele determinado tipo, tal emprego, tal status (estão sempre se encantando com o primeiro ou com o próximo namorado), eles – os homens – tendo visto a grande oferta de garotas que vão e vêm, escolhem aquela que eles consideram exatamente especial, e não precisa ser necessariamente a primeira ou a última que eles encontram, e sim, alguma.

Dean teoriza e pratica aquilo que ele acredita. Ama Cindy de uma forma exagerada, com um cuidado que chega a sufocar. Passados seis anos, Cindy já não acredita mais naquela paixão esfuziante que fez com que ela prometesse amá-lo até que a morte os separe. É importante reparar a mudança até mesmo corporal dos personagens nesse meio tempo. Os atores chegaram a ganhar quilos a mais para dar esse tom de mudança, além das características emocionais e o tratamento estético do filme, que contrasta as cores vivas do início de namoro e a fotografia fria e melancólica do casamento.

Michelle Willians, atriz que vem da série teen "Dawson’s Creek", apresenta total amadurecimento no trabalho ao interpretar o que sente sua personagem, algo que a incomoda inteiramente e que é mantido em silêncio. Mas o fato é que Cindy, além de não se ver mais apaixonada, chega a um nível de descontentamento tão grande, que passa a odiar seu companheiro. E esse sentimento, embora mal visto por uma sociedade arraigada no romantismo como é a nossa, é presente e real. E Ryan Gosling, ator que vem desempenhando trabalhos interessantes como em "Half Nelson" (filme que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator em 2007) e "A Garota Ideal", confirma que é daqueles tipos que nunca falham. É aquele ator que sempre garante um banho de interpretação.

"Namorados Para Sempre" (ainda não me conformo com esse título) chega a ser incômodo. Profundamente triste, o filme possui um charme que tem uma capacidade quase inexplicável que me fez ficar encantado pela maneira livre que o diretor Derek Cianfrance tratou os desfoques; com os atores devidamente seguros com seus papéis; com a história que foge do senso comum de filmes românticos (mais se aproxima de uma dura realidade) e até mesmo com a trilha sonora, tendo destaque a música tema “You and Me” do desconhecido grupo Penny & The Quarters. Possivelmente gravada entre 1970 e 1975, a música foi garimpada pelo próprio Ryan Gosling, que insistiu para que fosse utilizada no filme.

Só uma advertência. "Namorados Para Sempre" não é recomendável para casais com a falsa idealização de que o mundo a dois é um profundo mar de rosas.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita [2010]


(de Ethan e Joel Coen. True Grit, EUA, 2010) Com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper. Cotação: ****

Eu sou fã confesso dos Irmãos Coen. De todos os seus filmes, poucos me incomodaram ("Matadores de Velhinhas" foi um desses). E antes de assistir "Bravura Indômita", eu tinha uma aversão adiantada por essa refilmagem do clássico homônimo de 1969, com John Wayne imortalizando a figura de Rooster Cogburn. Mas o filme – não esperava - foi me conquistando pelo clima sombrio e (pelo menos pra mim) perturbador dos Coen. Diferentemente do filme original, a versão 2010 prevalece um clima mais escuro, frio e inóspito em meio a pouquíssimos alívios cômicos, que talvez nem funcione para todos. Outra grande surpresa foi saber que até agora foi um dos maiores sucessos de bilheteria dos diretores, ultrapassando até mesmo a marca de "Onde Os Fracos Não Têm Vez", vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2008.

A jovem Mattie (Hailee Steinfeld), mesmo com apenas quatorze anos, quer ir ao encontro de Tom Chaney (Josh Brolin), homem que assassinou o seu pai. Para isso, ela contrata por cem dólares o caçador de recompensas General Rooster Cogburn (Jeff Bridges), um caolho beberrão que apesar de demonstrar desprezo pela idéia da garota, vê na captura de Chaney a chance de ganhar uma recompensa no Texas. Por isso, ele pega a estrada junto com um legítimo Texas Ranger, o corajoso LaBeouf (Matt Damon). Mas Mattie insiste em ir junto com eles, porque afinal, ela quer ter certeza de que o acordo vai ser cumprido.

Todas as características de faroeste estão aqui. Óbvio, pois se trata de um exemplar do gênero, mesmo que os diretores sejam os excêntricos irmãos Coen. Toda a expedição se inicia em meio a reviravoltas e situações que já poderíamos antecipar. Mas "Bravura Indômita" melhora exponencialmente a partir do seu terceiro ato. Mesmo que saibamos que a garota irá sobreviver (afinal o filme começa com uma narração em off dela já crescida), muita coisa pode acontecer a ela, LaBeouf e, principalmente, Rooster, que vai criando um laço interessantíssimo com Mattie.

John Wayne é lembrado principalmente por ter ganhado seu único Oscar na primeira versão de "Bravura Indômita", mas o que faz Jeff Bridges? É com certeza o indicado a Melhor Ator mais contestável este ano. A voz imposta não funciona, soa arrastado, barulhento e irritante. A jovem atriz Hailee Steinfeld é outra aplaudida por aí, cravando inclusive sua indicação à Atriz Coadjuvante (tomando a vaga que certamente seria de Mila Kunis), mas pouco impressiona, fazendo o tipo garota petulante que não chega a ser um triunfo. Curiosamente, ambos não foram lembrados pelo Globo de Ouro, entrando na listagem final da Academia. Enquanto isso, presenças bem mais eficazes como a de Josh Brolin e Matt Damon não foram sequer cogitados.

Não se trata de um filme ruim, mas se mantém em cima do bom romance escrito por Charles Portis (inclusive é bem mais fiel ao livro do que o filme de 69). A trilha sonora é bem dosada, apesar de ser um lugar comum, e o trabalho artístico é de um primor incalculável. Gosto do tom sombrio, e isso ajudou muito para a preparação dos bons momentos finais, que praticamente me fizeram esquecer a vagarosidade inicial. O western é um gênero de alto risco, por não figurar entre os filmes “pop”, mas os Coen conseguem transparecer suas marcas registradas através do clima e das cores.

Um bom exemplar de um faroeste mais artístico e ousado.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Vencedor [2010]


(de David O. Russell. The Fighter, EUA, 2010) Com Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams, Melissa Leo, Mickey O'Keefe, Jack McGee. Cotação: ****

Tamanha foi minha surpresa ao me deparar com "O Vencedor". Nunca fui muito adepto aos filmes ligados a esportes, menos ainda quando se trata de boxe (o primeiro "Rocky" foi uma exceção). Mas esse filme está bem superior a isso. É um retrato de uma família que apresenta desdobramentos bem orgânicos e uma história real de fato emocionante. Não chega a ser algo primoroso, novo no Cinema e nem chega ao nível cinematográfico que tem pelo menos três de seus nove concorrentes ao Oscar de melhor filme neste ano, mas o fato é que por se tratar da história real de dois irmãos que se viram em desafios bem cinematográficos e ter uma direção honrável de David O. Russell, "O Vencedor" acaba se tornando uma grata surpresa.

Baseado na história real de Micky Ward (Mark Wahlberg), lutador que por muito tempo serviu de “trampolim”. Ou seja, ele apanhava de outros boxeadores para promovê-los, causando nele um sentimento de extrema incapacidade. Mark sempre teve o apoio de seu irmão Dicky (Christian Bale), ex-boxeador de renome que vive se vangloriando por ter nocauteado Sugar Ray Leonard, mas agora vive sob o vício do crack (droga muito comum na região de Massachusetts, onde vivem). Sempre sob tutela de sua mãe Alice (Melissa Leo), Mark sabe que sua família talvez não seja sua melhor opção de cuidados, caso ele queira se tornar um campeão. Junto com sua namorada Charlene (Amy Adams), ele tem que enfrentar não só seus adversários no ringue, mas conseguir manter bons afetos com seu problemático irmão, sua mãe e suas sete (!) irmãs.

É interessante perceber o tom documental feito propositalmente pelo diretor David O. Russell ("Huckabees – A Vida é Uma Comédia", "Três Reis"). Essa medida faz com que tenhamos uma aproximação maior com os personagens, que como disse, servem como foco principal do filme, sendo as lutas meras passagens que não podem ser desconsideradas, e até mesmo nesses embates, o tratamento torna-se mais televisivo, dando veracidade às cenas certamente simuladas através exibições reais. Isso é elogiável para o filme, que ainda assim não se vê totalmente isento de clichês tão comuns não só em filmes que retratam o boxe, como também em cinebiografias (como a tomada de controle em pleno ringue, levando o protagonista à vitória depois de muito apanhar).

Mark Wahlberg, além de atuar, produziu o filme. E claro que não dá pra fugir da questão “autopromoção”. Wahlberg não deve ter se dado conta de que ele não é mais um garotinho incerto, que tem que dar vida a um boxeador em inicio de carreira, sendo orientado pelo irmão mais velho e experiente. É visível que Whalberg é até mais velho que Christian Bale (cerca de três anos) e jamais poderia convencer. Mas até que ele não faz feio. Serve pelo menos como um bom “escada” para o show que os atores coadjuvantes dão.

A magreza assustadora de Christian Bale assusta de início, mas sua entrega é tamanha que logo nos esquecemos de sua forma física. Ele simplesmente encarna de forma visceral um homem que se aproveitou do momento de sorte em uma de suas batalhas, para se considerar uma lenda adormecida, que mesmo com quarenta anos, ainda pode despertar. Melissa Leo aproveita muito bem a chance que tema afinal, uma atriz da sua idade não possui chances como essa. Pena que após seu sucesso em "Rio Congelado", certa prepotência dominou sua cabeça, mas nada que a desconsidere (a cena de “I Started a Joke” é incrível). Sua colega de elenco, Amy Adams, é a prova de que as atrizes que antes faziam papéis de mulheres passivas estão arriscando demonstrar mais agressividade em seus trabalhos. É uma tendência, está aí Natalie Portman pra confirmar.

"O Vencedor", apesar de ser um bom filme, não tem o acabamento necessário para considerá-lo algo grandioso. Mas envolve de uma maneira incrível, e, graças ao seu elenco, a fita acaba tendo uma grande aceitação por parte do seu público e conseguirá abocanhar importantes prêmios para seus atores. Aposta certa.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

127 Horas [2010]


(de Danny Boyle. 127 Hours, EUA, 2010) Com James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Sean Bott. Cotação: *****

Para quem ainda não sabe de quem se trata Aron Ralston, tentarei resumir em breve introdução. Aron é um destacável alpinista americano que ganhou fama internacional em maio de 2003, ao se apresentar a público como sobrevivente de uma situação desesperadora. Ao fazer sua habitual exploração entre as grandes rochas do deserto de Utah, ele ficou com o antebraço direito preso a uma rocha. Passadas 127 horas de desespero e sem ter mais outra saída em mente, ele toma a corajosa atitude de amputar seu braço e ainda enfrentar o deserto em busca de socorro.

Tudo o que contei nesse primeiro parágrafo pode não ser novidade para alguns. Eu mesmo já conhecia a história desse rapaz ao assistir uma reportagem especial sobre ele no Fantástico naquele mesmo ano, e a coragem desse desbravador foi tamanha que não me esqueci de seus relatos e até hoje lembro perfeitamente da matéria. É quase impossível não se questionar sobre o que faríamos numa situação semelhante. Pode parecer loucura se imaginar fazendo uma auto-amputação, mas talvez loucura maior seria ter que esperar a morte chegar numa situação como aquela. Só frisando que, para quem ainda não conhecia a história, desconhecer esses fatos pouco irá mudar a narrativa. Até mesmo porque o filme parece às vezes partir do pressuposto que saibamos o que houve com o tal Aron Ralston, que relatou tudo em seu livro "Between a Rock and a Hard Place", de 2005, do qual "127 Horas" foi baseado.

Acostumado a praticar canyoneering – esporte que exige conhecimento avançado de rafting, rapel, entre outras atividades – em um Canyon isolado de Utah, o jovem Aron (James Franco) parte para Blue John Canyon num sábado sem avisar ninguém. Sendo um apaixonado por tudo que a natureza é capaz de oferecer e usufruindo da total liberdade em um lugar que parece ser só dele, Aron não se limita frente à imensidão desértica. Ao avistar duas garotas perdidas – Kristi (Kate Mara) e Megan (Amber Tamblyn), ele até as auxilia a encontrar uma caverna que esconde um lindo rio subterrâneo. Mas após esse encontro passageiro, ao que pareciam suas últimas pisadas de curiosidade, ele cai numa fenda e uma rocha cede, prendendo seu antebraço e o deixando imóvel por cerca de cinco dias.

O grande mérito de "127 Horas", que garantiu minha predileção ao considerá-lo um dos grandes filmes do ano, foi por trabalhar uma proposta que parecia manjada, mas sem cair no esperado. Mesmo que o filme se passe quase totalmente num mesmo lugar apertado e um homem imobilizado, se engana quem espera um filme pouco ágil. Danny Boyle ("Quem Quer Ser Um Milionário", "Cova Rasa") encontra um jeito de manter a história segundo os seus moldes, iniciados com a linguagem de vídeo-clipe e cenas bem originais.

O personagem irá passar por todos os estágios possíveis que qualquer pessoa numa situação similar poderia passar. Raiva, ignorância, aceitação, tentativas vãs de se livrar daquilo que impede sua passagem livre. Toda essa situação chega a ser irônica. Boyle vai se utilizar de sua incrível capacidade de formular tomadas ágeis para elevar o personagem numa série de questionamentos sobre a culpa, a vida, a beleza, enfim, devaneios que se misturam às cenas de realidades, memórias, fantasias, ou até mesmo, premonições. É tudo subsequente, tornando "127 Horas" em um filme rico, mesmo que o ambiente seja estipulado por uma fenda e tenha apenas um único ator em primeiro plano em praticamente 90% da projeção.

James Franco, de vilão da franquia "Homem Aranha" para trabalhos mais sérios e com chances maiores de devido respeito, consegue alcançar êxito em um trabalho soberbo. Enfrentar um desafio desses é de uma responsabilidade que nem todos teriam cacife para arcar. O desespero, os momentos mais introspectivos, sua forma de comunicação com a câmera portátil, e em conjunto, toda a tragédia foi transportada com incrível veracidade pelo notável ator, que até pouco tempo atrás não tinha em cima de si o aproveitamento que aqui em "127 Horas" ele pode comprovar. É um filme que definitivamente mostrou do que ele é capaz.

O falatório que vinha sendo feito em relação aos desmaios em exibições do filme, eu acredito que não passa de marketing ultrapassado. Não é indicado e não chega a ser justo que um trabalho tão soberbo de um diretor incrível como Danny Boyle acabe sendo reduzido a um filme de extrema angústia. Não poderia deixar de se atentar que seus momentos angustiantes existem (claro que existem), mas não chegam a tal ponto de fazer pessoas perderem seus sentidos. Um efeito desses só seria perdoável se os desmaios fossem causados pela visão maravilhada frente à qualidade do filme sendo vista (Exagero? Talvez), do contrário, soa como uma perda por não conferir um dos filmes mais agradáveis do ano.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei [2010]


(de Tom Hooper. The King's Speech, Reino Unido, 2010) Com Colin Firth, Helena Bonham Carter, Derek Jacobi, Guy Pearce, Geoffrey Rush. Cotação: ***

Eu tenho a clara consciência de que todos os filmes indicados ao Oscar não estão ali por acaso. Sim, todos tiveram a pretensão de estarem lá, até porque se inscreveram para tal. Seja por idealização dos realizadores ou da própria distribuidora, alguns filmes vestem uma campanha muitas vezes incômoda pelo fato de ser descarado. "O Discurso do Rei" é um filme encomendado não só para Oscar, mas para qualquer outra premiação de cinema tão comum nesta época do ano.

Centrado na figura peculiar do rei George VI (Colin Firth), pai da Rainha Elizabeth, "O Discurso do Rei" narra, através de vários anos, o processo de ascensão de um homem aterrorizado pela sua incapacidade de discursar. Em 1925, quando ainda era Duque de York, ele chega a interromper suas falas  simplesmente por sentir-se travado. Sua esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter), percebendo o constrangimento do marido e temerosa pela situação de escárnio que ele poderia vir a enfrentar, parte em busca de profissionais que possam auxiliá-lo.

Após algumas tentativas fracassadas, ela chega ao consultório de Lionel Logue (Geoffrey Rush), um ator fracassado que se aproximará de Bertie – George VI, sabendo que essa será a principal maneira de curá-lo. Após a morte de seu pai, seu irmão David sobe ao trono, mas, por querer casar-se com uma americana já divorciada outras duas vezes (ato condenável pela Igreja), ele se vê obrigado a abdicar, deixando assim o trono para George. Durante muitos anos, a amizade entre George e Lionel perdura, mas a ascensão de Adolf Hitler e a aproximação de uma inevitável Segunda Guerra Mundial, farão com que a Inglaterra careça de uma liderança segura, algo ainda mais difícil para um rei tão complexado por conta de seu discurso deficiente.

A história é realmente interessante. Relatar a vida de um homem tão poderoso da família real com tantos receios e dificuldade de discursar, que como se deve saber, é uma habilidade primordial para se obter sucesso na carreira política desde a Antiguidade. George VI sempre foi atormentado pelo fantasma da gagueira. Desde pequeno, se via recebendo gracejos do irmão, sendo instigado pelo próprio pai, achando que dessa maneira ele poderia falar normalmente. Ou seja, uma carga de trabalho emocional que qualquer ator poderia sonhar em interpretar. E esse trabalho ficou a cargo do competente Colin Firth.

Colin, que ano passado fez um trabalho esplendoroso em "Direito de Amar", vem se confirmando como um dos melhores atores britânicos dessa atual safra. Sério, ele compõe seu personagem de maneira exemplar, sem parecer que fora um esforço tão suado - o que certamente deve ter sido. Geoffrey Rush, sem nenhuma surpresa, faz um tipo mais cômico, subvertendo a figura imperial do protagonista e mantendo um ar muitas vezes irônico que ele faz muito bem. Já a exótica Helena Bonham Carter, figura carimbada em filmes excêntricos, como os de seu marido Tim Burton e outro nome presente nas indicações que o filme anda recebendo, se mantém apenas correta, sem grandes cenas de destaque, tampouco momentos inspirados.

A direção do ainda pouco conhecido Tom Hooper, mesmo se saindo bem com suas  tomadas ousadas, se atentando a grandes ambientes (boa parte do filme se passa em lugares fechados) e grandes corredores, se mantém coesa por boa parte da produção. Pode alcançar notoriedade, mas é certo dizer que existe todo um trabalho de equipe técnica para chegar ao tal resultad, principalmente no que diz respeito a trilha sonora bem desenvolvida e a ambientação bem comportada, embora previsível.

Contudo, o grande problema de "O Discurso do Rei" é que ele é redondinho demais. Tudo bem que no ato final as coisas se tornem mais intensas, e o público é sempre levado ao grande momento de torcer pelo rei. Mas isso é resultado de um processo que vai sendo arrastado ao longo de todo o filme, e conseguir isso aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo pode até ser visto como uma virada para muitos, mas para mim, se trata de uma proeza conseguida após várias tentativas vãs.

O filme vale mais pelo trabalho da dupla Colin- Geoffrey e para prestigiar a boa forma do cinema britânico. Certamente será muito agraciado na Academia, pelo simples fato de ser PARA o Oscar.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Toy Story 3 [2010]


(de Lee Unkrich. Idem, EUA, 2010) Com vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton. Cotação: *****

Uma animação eficaz é aquela que, além de comportar a premissa que a indústria espera (que é divertir o público infantil, e por tabela, também o adulto), consegue transpor uma história e se tornar um filme envolvente em todos os aspectos, seja numa gama de utilidades gráficas e brincar com a arte do Cinema, como também fazer com que os espectadores embarquem numa verdadeira experiência sentimental que envolve a nostalgia, e resgata, com sucesso, a nossa alma aventureira e pueril. Isso é "Toy Story 3".

15 anos após o estrondoso sucesso "Toy Story", que dividiu o trato da Pixar, o boneco Woody agora vive com seus amigos num baú. Andy, a criança dona dos brinquedos agora está com 17 anos e prestes a ir pra faculdade. De acordo com o costume americano, ele tem que desmontar o seu quarto e decidir o que vai acompanhá-lo para a vida universitária, o que vai para o sótão, o que vai ser doado, ou na pior das hipóteses, vai para o lixo. Com a tarefa difícil de desvencilhar-se de sua infância, ele escolhe Woody para ir junto com ele para a faculdade, enquanto os outros (a vaqueira Jessie e seu cavalo, o Sr. E Sra. Cabeça de Batata, o cofre-porquinho Hamm, o tiranossauro Rex, o cachorro Slinky, os pequenos alienígenas e até o corajoso Buzz Lightyear) são escolhidos para ficar no sótão. Mas por engano, eles vão parar no lixo, e numa tentativa de fuga, vão parar numa caixa de doações para a creche Sunnyside. Mas Woody tenta a todo custo fazer com que seus amigos voltem para Andy.

Sunnyside, a priori o lugar ideal para os brinquedos, já que são utilizados por crianças gerações após gerações, é um interessante ambiente a ser discutido. Apresentado pelo Urso Lotso, o lugar é, segundo ele mesmo diz, um paraíso, pois “não ter dono, significa não sofrer mais”. Porém, o lugar claro, calmo, espaçoso e apaixonante, num segundo momento, se torna assombroso. E essa mudança é incrivelmente bem trabalhada pelo diretor e toda sua equipe técnica.

O urso Lotso, antes um anfitrião tão cativante, dá lugar a figura de um ditador tirano, capaz de torturar aqueles que perturbam a ordem do lugar, corrompem a massa e tentam escapar de seu regime político. Claro, isso para crianças não passa de um processo de apresentação de um vilão. Mas olhando com visão mais "adulta", a situação é uma verdadeira crítica mordaz a esse sistema, tudo isso com uma tranqüilidade soberba e não esquecendo o tratamento lúdico da coisa toda. Fazer isso trabalhando em cima de critérios tão bem respeitados é um feito em tanto.

Sem se entregar ás novas tecnologias como o 3D (ultimamente, isso tem se tornado referência de qualidade, mas sabemos que ver um filme em terceira dimensão não é garantia de coisa alguma), John Lasseter e sua turma não poderia decepcionar, nem mesmo no terceiro filme de uma franquia tão consistente (os outros dois filmes são fantásticos). O fantasma do terceiro episódio não chegou até aqui. Lasseter, que dirigiu os outros dois filmes – aqui ele encabeça o roteiro – passa a direção para Lee Unkrich, responsável por outras maravilhas de animação como "Procurando Nemo" e "Monstros S.A.", além de também ter contribuído com o segundo "Toy Story".

O xerife Woody e seu grande amigo astronauta Buzz Lightyear continuam demonstrando coragem e extrema lealdade. São ainda capazes de protagonizar aventuras com incríveis ares de renovação, mas sempre mantendo aquela sensação de “matar saudade dos velhos amigos”. Mas sua exposição só poderia ser ameaçada por uma dupla de destaque. Barbie e Ken, o casal de brinquedos mais rico da indústria, dono de um verdadeiro império com mansões, academias, múltilplos talentos e detentores de um guarda roupa invejável. São deles as melhores cenas (depois das que tratarei a seguir) e boas tiradas, ironizando a figura do metrossexual e da mulher linda, porém pouco inteligente, capaz de soltar pérolas humanistas como “A força do direito deve superar o direito da força”. Impagável.

Ademais, o grande triunfo de "Toy Story 3" vem com o resgate da infância. Fazem isso sem parecer um processo infeliz de retardamento. A Pixar é mestre em nos fazer emocionar de forma orgânica, mesmo trabalhando com um visual digitalizado. Todos sabem que se despedir da nossa infância não é algo fácil de ser feito. Temos em Andy, cujo crescimento é visto através de arquivo pessoal, um exemplo de como nos fazer essa ligação de correspondência. Identificamos-nos pelo elo dessa despedida de uma época onde nossos brinquedos era nossa comunicação com a nossa fantasiosa imaginação.

Não saberia dizer ao certo se, no atual processo de mecanização dos brinquedos atuais, a carga emocional do filme não funcionaria com as crianças de hoje. Eu diria que não. É presente a crítica que "Toy Story 3" faz de que, embora os brinquedos de hoje não sejam assim tão artesanais, o futuro de todos eles serão certamente no fundo de alguma caixa, doados para quem vai aproveitá-los melhor, ou até mesmo no lixo. Mas para quem estiveram ligados a eles, não se trata de desapego material, e sim de lidar com o fato de que uma nova etapa da vida está por vir.

"Toy Story 3", sem dúvida o melhor da trilogia, é feliz em tudo aquilo que um bom filme familiar poderia proporcionar.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Inverno da Alma [2010]


(de Debra Granik. Winter's Bone, EUA, 2010) Com Jennifer Lawrence, Isaiah Stone, Ashlee Thompson, Valerie Richards, Shelley Waggener, Garret Dillahunt, Dale Dickey, Lauren Sweetser, John Hawkes. Cotação: ***

Após meteórico sucesso em premiações de filmes independentes como sete indicações no Independent Spirit Awards e ter ganhado o grande prêmio do Júri no Festival de Sundance, "Inverno da Alma" conseguiu encaixar-se no time dos graúdos como "A Rede Social", "A Origem" e "Cisne Negro" entre os indicados aos prêmios de projeções maiores como o Globo de Ouro e o Oscar. Mas, o que poderia ser o verdadeiro reconhecimento para atores como Jennifer Lawrence e John Hawkes, ou até mesmo para a preterida diretora - a ainda pouco conhecida Debra Granik -, o que houve foi uma enxurrada de indicações a Melhor Filme para uma produção que poderia muito bem passar batida se não fosse uma campanha muito bem movimentada.

Vivendo nas gélidas montanhas no sul dos EUA – um lugar praticamente esquecido e não divulgado pela grande indústria hollywoodiana – Ree (Jennifer Lawrence) cuida de sua mãe doente mental e de seus dois irmãos pequenos. Com apenas 17 anos, ela chega a passar fome, mas demonstra extrema noção de realidade e ensina seus irmãos um pouco de dignidade (“nunca peça o que deveria ser oferecido”, diz ela) e sobrevivência, como caçar esquilos. Até que recebe a visita do xerife local, informando que seu pai Jessup Dolly, está foragido de sua condicional e que, caso não apareça dentro de uma semana, ela perderá suas terras hipotecadas como garantia da fiança do pai. Ela então parte em busca dele, esteja ele vivo ou morto. Com a ajuda quase negada de seu tio Teardrop (John Hawkes), ela vai abordando seus vizinhos que demonstram medo e até mesmo violência.

As conseqüências de sua busca são inúmeras, mas ela se mantém erguida e jamais chega a implorar por misericórdia, algo que sempre achamos que poderia ser o caminho mais fácil. E nesse sentido, sua força é o que chega a impressionar. O trabalho de atuação da jovem Jennifer Lawrence é peculiar. Embora eu mesmo não ache um trabalho tão excepcional como seus prêmios a fazem parecer, reconheço que ela casou muito bem em um ambiente sulista, sem pesar no sotaque e nas caras marrentas dos habitantes dali. John Hawkes, outro nome superestimado do elenco, faz o tipo mal encarado que no fundo tem bom coração, e é outro que faz um trabalho competente.

Já a diretora Debra Granik faz um trabalho belíssimo aqui. Com uma sensibilidade ímpar, ela contribui profissionalmente no clima bucólico e extremamente triste. A melancolia é tamanha que por vezes chega a incomodar. É difícil encontrar beleza em um filme que trata de uma garota evitando que sua família não passe fome e fique sem teto, mas há situações em que a diretora trabalha o clímax de sofrimento aliado aos semblantes marrentos do povo daquela região americana tão estranha. Dentre tantas figuras que aparece, fiquei até feliz em reconhecer a atriz Dale Dickey, um dos rostos mais expressivos que conheço e dona de memoráveis participações como junkie em séries como "Weeds" e "Breaking Bad".

Pesado em seu tema e feio esteticamente, "Inverno da Alma" é tão cru quanto a sua pouca aceitação convencional. Mas enquanto estiver sendo tão premiado e ovacionado pela crítica, pouco importa se está agradando o grande público ou não.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Origem [2010]


(de Christopher Nolan. Inception, EUA, 2010) Com Leonardo DiCaprio, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page, Tom Hardy, Ken Watanabe, Dileep Rao, Cillian Murphy, Marion Cotillard, Pete Postlethwaite, Michael Caine. Cotação: *****

Sabe aqueles filmes tão, mas tão complexos que qualquer momento de dispersão na história pode fazer com que o entendimento dele seja ameaçado? Pois é, "A Origem" é assim. E avisado sobre essa complexidade toda, assisti preparado para quase 2h30 de duração em meio a conceitos, regras de como lidar com tantas informações em tão pouco tempo e particularidades de um roteiro soberbo. Mas confesso, logo na primeira parte da projeção, todas as peças do jogo foram dadas de maneira satisfatória. O que é exigido a partir daí é dedicação por parte do espectador, e principalmente, para o fã de ficção científica, que é o público que mais vai se deliciar nessa aventura.

Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) não é um ladrão convencional. Juntamente com seu comparsa Arthur (Joseph Gordon-Levitt), ele põe em prática seu talento para invadir a mente das pessoas e tomar posse de idéias ocultadas no profundo subconsciente de suas vítimas, que para melhor efeito de seu trabalho, se encontram dormindo. Mas a proposta do milionário Saito (Ken Watanabe) garantirá a saída da vida de criminoso e seu retorno para sua casa nos EUA, onde se encontram seus filhos após a perda da mãe, Mal (Marion Cotillard). Essa última tarefa seria, ao invés de roubar, implantar uma idéia (uma "inception", daí vem o título original, traduzido aqui de maneira discutível), fazendo com que o herdeiro Robert Fischer (Cillian Murphy) divida o império de seu pai recém-falecido (Pete Postlethwaite) e deixe de ser uma ameaça corporativa para Saito.

Mas para conseguir êxito nessa tarefa, é preciso uma equipe incrivelmente capacitada para tal. É aí que Cobb vai até Miles (Michael Caine), que indica a estudante de arquitetura Ariadne (Ellen Page) para projetar toda a parte física dos sonhos fac-similados (os sonhos do invadido e dos invasores são compartilhados). A equipe ainda conta com o solícito Eames (Tom Hardy), que também hospedará os comparsas em seu sonho, e o químico Yusuf (Dileep Rao), responsável pela sedação de todos.

Maiores particularidades da história devem ser contadas no próprio filme para que se mantenha a mágica da descoberta de que Christopher Nolan é uma mente brilhante. Como eu disse, todos os ingredientes são dados, basicamente na conversa inicial entre Cobb e Ariadne (é ela quem representa a curiosidade de quem assiste, então, atente-se nisso!). Nolan, por sinal, não satisfeito em escrever um roteiro que por si só já é uma grande sacada, dirige seu longa de forma impecável, fazendo com que toda a sua equipe técnica tenha sua fatia de importância igualmente exemplar.

A trilha sonora bem encabeçada pelo experiente Hans Zimmer (geniais as inserções de "Non, Je Ne Regrette Rien", de Edith Piaf e transformá-la como parte de um processo onírico), a fotografia que consegue impressionar mesmo não sendo um filme que tenha uma premissa intencionalmente artística (no sentido de arte fotográfica), e a mais competente dessa parte técnica, a edição. Incrivelmente bem trabalhada pelo montador Lee Smith (com quem Nolan veio trabalhando na franquia de "Batman"), ele foi capaz de exercer a parte mais difícil da obra: dar visão de conjunto em um processo onde os personagens se encontram em quatro níveis de sonho – mais a realidade – e respeitar de forma coerente o “despertar dos sonhos” no tempo estabelecido de cada um deles. Trabalho de gênio.

Isso sem falar, é claro, no trabalho de efeitos visuais, que nos trouxe euforia com os cenários oníricos desintegrando-se e as lutas com ausência de campo gravitacional!!! Só conferindo para entender a magnitude do que estou falando.

Quanto ao polêmico final, vos falo sem querer entregar nada de revelador. Em dado momento, o discurso que a personagem Mal, onde ela diz que a realidade em que se encontra com o marido não passa de imagens fac-símiles, que nem eles nem o mundo físico são reais, e que sua morte seria capaz de elevá-los para a realidade ideal, soa como um verdadeiro discurso platônico, onde o filósofo é aquele único capaz de ver e entender o mundo das idéias, que para eles, formam a realidade primeira. Some isso ao totem (objeto guardado por aquele que sonha para garantir se está sonhando ou não) e terás uma leitura paralela. Bem, se as suspeitas de que Nolan implanta em nós essa idéia forem certas ou não, ao menos não deixa de ser uma conclusão possível.

"A Origem" é um filme inteligente para pessoas que querem pensar ao mesmo tempo em que se divertem.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Rede Social [2010]


(de David Fincher. The Social Network, EUA, 2010) Com Jesse Eisenberg, Rooney Mara, Bryan Barter, Brenda Song, Armie Hammer, Andrew Garfield, Justin Timberlake. Cotação: *****

“Você provavelmente vai ser uma pessoa bem sucedida. Mas você vai passar a vida pensando que as garotas não gostam de você porque você é um nerd. E eu quero que você saiba, do fundo do meu coração, que isso não será verdade. Isso vai ser porque você é um babaca."

É esse discurso curto e ao mesmo tempo certeiro que Mark Zuckerberg ouve de sua ex-namorada no filme que, segundo consta, contextualiza a criação do fenômeno Facebook a partir de um fora que o criador leva da garota. Segundo o próprio Mark, o cinema tem essa mania de querer dar motivos dramáticos para uma idéia que poderia muito bem emergir de um momento de genialidade.

Estando ele certo ou não, "A Rede Social" deslancha como um filme que funciona, mesmo sendo uma cinebiografia de um rapaz de apenas 26 anos, que graças a sua incapacidade de se relacionar de forma saudável presencialmente e sua forma ácida de se comunicar através da internet, fez com que criasse um negócio que lhe rendeu o título de “o bilionário mais jovem do mundo”, segundo a conceituada Forbes.

"A Rede Social" tem inicio com um diálogo caótico entre Mark (Jesse Eisenberg) e Erica (Rooney Mara), a tal ex-namorada da discórdia. Com raiva pelo fim de seu relacionamento, ele solta o verbo no seu blog pessoal, não poupando a garota com críticas até mesmo quanto ao tamanho de seu sutiã. Ainda revoltado, ele cria um site que compara as garotas de Harvard – Universidade da qual é aluno - a animais, o Facemash.com. É então procurado pelos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer), que pretendem lançar uma rede social exclusiva de Harvard, que vai se expandindo para outras universidades. As inovações e melhorias que Mark vai acrescentando fazem com que ele ultrapasse seus amigos e detenha completamente o Facebook, que mais tarde se tornaria uma rede ao alcance do mundo inteiro.

Mark Zuckerberg é o grande epicentro da discussão. Suas atitudes maquiavélicas são sempre muito bem argumentadas com seu estilo de falar, que por vezes parece que uma coisa atropela a outra. Não é interessante aqui levantar uma bandeira do politicamente correto ou uma ética, pois estamos falando de um ramo que se confunde como uma “terra de ninguém” que é a internet, e a relação entre pessoas que visam o lucro acima de qualquer coisa.

Seria importante se todos assistissem "A Rede Social" com a consciência de que não existe o mocinho e o vilão por detrás de todo o processo de acusação contra Mark Zuckerberg, afinal, o mundo é feito de pessoas que buscam sua preservação, e claro, algo que está acima até mesmo das cifras do lucro de um negócio bilionário: a imagem do idealizador. Na internet principalmente, onde chovem os jovens que buscam a cada dia serem vistos e reconhecidos como alguém com uma boa idéia na cabeça e que ponha para funcionar de maneira lucrativa. Isso está além da questão da vilania. É pura ausência de atenção e desconhecimento por não lidar com isso. Por isso, o melhor amigo do protagonista, o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield) – que também processou Mark – se sente preterido por nunca ser lembrado.

Outro ser que surge de forma muito interessante no filme, é Sean Parker (Justin Timberlake), criador do Napster, causador da maior luta jurídica entre grandes corporações fonográficas e redes de compartilhamento de músicas na internet. Sean tem justamente essa alma empreendedora e subversiva de Mark, e lógico, vai querer abocanhar uma fatia do negócio que ele, como um bom visionário, já sabe que vai ser algo grande. Por uma ironia ímpar, Sean Parker é interpretado pelo cantor Justin Timberlake, o retrato da versatilidade na música e diretamente afetado pelo negócio do cara que ele interpreta. E é ele, Justin, um dos que mais se destaca no elenco, surpreendentemente! Afinal, por ser cantor e galã, sempre achamos que ele poderia mandar mal. Coisa que não acontece.

A direção de David Fincher ("Clube da Luta", "Se7en – Os Sete Crimes Capitais") mantém sua forma peculiar. Tomadas frenéticas e enquadramentos inspirados. Sua versatilidade é tão elogiável, que podemos ver ao longo de sua carreira que ele tem muito a mostrar ainda, e isso é muito bom para alguém que almeja ser reconhecido. O ator Jesse Eisenberg vem acumulando prêmios e indicações pelo seu trabalho, mas analisando bem, mesmo com sua forma muito bem conduzida de discursar, não faz algo tão memorável como seus outros concorrentes Colin Firth ("O Discurso do Rei") e James Franco ("127 Horas").

O roteiro de "A Rede Social" é o grande responsável pela qualidade, auxiliando o bom aproveitamento do elenco e o apoio de David Fincher. O texto de Aaron Sorkin, a partir do livro "Bilionário Por Acaso" de Ben Mezrich, mantém uma agilidade incrível e momentos de discussões acaloradas, e pasmem, faz rir quando lhe é conveniente, com sacadas geniais. É por isso que "A Rede Social", somado todos esses fatores, deve ser lembrado como um dos filmes mais importantes de 2010. Pra mim, pelo menos, é a grande surpresa do ano.