quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Minhas Mães e Meu Pai [2010]


(de Lisa Cholodenko. The Kids Are All Right, EUA, 2010) Com Annette Bening, Julianne Moore, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson. Cotação: ***

Nos últimos anos, o cinema independente vem se tornando cada vez mais visado. Partindo de temáticas muitas vezes interessantes, os roteiristas mais “originais” vêm seguindo esse caminho. Diretores iniciantes se destacam e atores consagrados aceitam papéis nesses filmes menores (para os padrões de Hollywood) ganhando bem menos do que ganhariam numa grande produção, mas aceitam por puro prestígio e por ter chances significativas em premiações em festivais mundo afora ou até mesmo na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Oscar, que ano após ano vem dando cada vez mais espaço  para os filmes mais artísticos.

"Minhas Mães e Meu Pai" não tem necessariamente esse viés poético/artístico que deveria povoar grande parte dos indicados em prêmios sérios, a não ser pelo fato de ter duas atrizes veteranas desempenhando de maneira sublime seus papéis. A direção de Lisa Cholodenko pouco falha e o elenco de apoio mantêm o bom andamento da coisa. O ponto discutível do filme está justamente em seu roteiro, que já tem como mote uma idéia que soa interessante, mas que pode cair numa trilha malfadada de pretenciosidades, como parecer cool em excesso para ganhar apoio dos mais “cabeças abertas”, um público cada vez mais livre de preconceitos.

A premissa é a seguinte: Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore) são duas mulheres que estão a mais de vinte anos casadas. Cada uma teve uma gestação de proveta e deram à luz duas crianças. São eles, a tímida Joni (Mia Wasikowska), agora com dezoito anos e se preparando para sair de casa e ir para a faculdade, e Laser (Josh Hutcherson), um rapaz de quinze anos irresponsável que tem um desejo de conhecer seu pai biológico, que curiosamente é o mesmo que o da sua irmã. Por ser já maior de idade, ela tem por direito entrar em contato com a clínica de fertilização e declarar interesse na identidade de seu pai. Ele é o boa praça Paul (Mark Ruffalo), dono de um restaurante que produz seus próprios ingredientes vegetais. Sem raízes familiares, ele vê na aproximação de seus filhos (e suas mães lésbicas) uma oportunidade de conhecer esses laços familiares que antes desconhecia.

Ou seja, o roteiro já tem uma idéia promissora -  filhos de mães homossexuais que desejam conhecer o pai biológico - e é capaz de nos remeter às boas cenas que poderia possibilitar, como a primeiro contato entre as mães e o progenitor de seus filhos, um homem que elas só conheciam por uma ficha e usaram apenas uma coisa dele: o sêmen.

Mas histórias interessantes como nesse caso, se tornam um risco se não tiver um andamento contido. Transformar os protagonistas em pessoas libertárias pode ser viável para um público igualmente libertário. Porém, até mesmo estes podem sentir o exagero de ingredientes “interessantes”, como a mãe paisagista que adere à compostagem, o pai naturalista que abandona os estudos para viver livre (o próprio filme tira sarro dessa liberdade toda) e que transa com uma funcionária negra, a garota que foi batizada em homenagem à Joni Mitchell (tem espaço até para uma cena com a singela canção "All I Want", do ábum Blue, curiosamente meu disco preferido de Joni também).

Mas esse esforço para ser “diferente pelo diferente” reserva boas coisas. A principal delas, é claro, são as atuações. Com destaque para Annette Bening, que merece todas as honrarias por encontrar o tom certo de homossexual, sem parecer uma caricatura montada em cima de gestuais próprios de lésbicas vividas no cinema. Talvez agora ela consiga seu Oscar de Melhor Atriz (ainda é arriscada por Natalie Portman e seu "Cisne Negro"), já que foi injustiçada em 2005 ao perder a estatueta pela segunda vez para Hilary Swank por "Menina de Ouro". Naquele ano, Bening estava indicada por "Adorável Julia".

Julianne Moore dispensa elogios. Até hoje não vi sequer um trabalho decepcionante da ruiva, que se mantém como uma das melhores atrizes da atualidade. Até Mark Ruffalo, um ator apenas correto, mandou bem com seu ar despojado e um sotaque mantido.

"Minhas Mães e Meu Pai" serve justamente para apreciar esse elenco. E mesmo com toda essa pompa cool, uma virada dramática previsível e buracos na história, ainda é possível se emocionar com algumas situações, se divertir com as boas (mesmo que poucas) sacadas e agradáveis momentos como um jantar servindo uma boa conversa regada a vinhos e risadas. Destaque também para a trilha sonora fenomenal, com direito às músicas de David Bowie, do grupo brasileiro CSS (Cansei de Ser Sexy) e a inebriante “Same High” da banda Uh Uh Her. Além de Joni Mitchell, é claro.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O Cheiro do Ralo [2006]


(de Heitor Dhalia. Idem, Brasil, 2006) Com Selton Mello, Paula Brown, Lourenço Mutarelli, Sílvia Lourenço, Fabiana Guglielmetti, Lorena Lobato, Xico Sá, Susana Alves. Cotação: **

Filmes que obtiveram grandes recomendações da crítica, sendo bem recebidos em festivais nacionais e internacionais devem ser visto com certo cuidado. Não há garantias de algo brilhante, nunca antes visto. "O Cheiro do Ralo" teve a proeza de ganhar prêmios de júri em grandes festivais como o de São Paulo e Rio de Janeiro, e ser nosso representante no disputado Festival de Sundance. É também apenas o segundo trabalho do competente Heitor Dhalia após o também supervalorizado "Nina", de 2004.

Aqui, Dhalia adapta juntamente com Marçal Aquino, o romance homônimo do escritor e quadrinista brasileiro Lourenço Mutarelli, na qual um homem decadente, também chamado Lourenço (Selton Mello), trabalha em um galpão comprando objetos usados de pessoas que se encontram em dificuldades financeiras. Se aproveitando da situação vulnerável dessas pessoas, Lourenço compensa sua vida crua na falsa impressão de que tudo é objeto, portanto, possui seu preço, inclusive a bunda da garçonete do local onde ele almoça - que para ele, não é só um objeto de consumo, mas que deve ser comprado pelo valor que ele achar que deve. Sempre incomodado pelo cheiro fétido do ralo que vem de seu banheiro, ele surta após buscar causalidades no ralo, a bunda da garçonete e um olho de vidro.

A idéia já é ousada. E transportá-la para o cinema é de uma ousadia maior ainda. Com dificuldades de encontrar empresas dispostas a associarem suas marcas com um filme com esse título, os produtores – inclusive o próprio Selton Mello - praticamente tiveram que bancar todo o projeto. O livro de Lourenço Mutarelli é por si só cinematográfico, não cabendo muito trabalho criativo para os idealizadores em relação à adaptação. O que há de melhor, certamente, é o trabalho de direção de arte e fotografia, com suas cores terrosas e uma ambientação que chega a nos dar a sensação incômoda do cheiro do ralo, aliada também está uma trilha sonora bacanuda e envolvente.

Selton Mello comprova mais uma vez se tratar do melhor ator de sua geração. É curioso comprovar que, mesmo com seus maneirismos tão característicos, ele consegue montar um personagem único. Não só nesse caso, mas Selton é um verdadeiro ator camaleônico, sempre envolvido em projetos interessantes, com poucas bombas no currículo (ninguém é perfeito). Seu personagem é de uma inescrupulosidade tamanha. Não tem um mínimo de humanidade, chegando a comprar a visão do corpo subnutrido de uma viciada e desmanchar um noivado com “os convites já na gráfica” justificando com um simples “eu não gosto de você, eu não gosto de ninguém.”, alem de tratar as pessoas que recorrem a ele em um momento de dificuldade financeira com o maior desdém. O cheiro do ralo, numa interpretação particular, representa a situação de vida que se encontra Lourenço. Ele se isenta da culpa do mau cheiro, quando na verdade se ele é o usuário exclusivo do banheiro que fede, logo, o cheiro é unicamente dele, como diz certo personagem.

A ambição do projeto é o que torna tudo muito decepcionante. A história do homem aflito pelo cheiro do ralo que se apaixona por uma bunda não é algo tão inteligente a ponto de alçá-lo como um cult de nosso país. Nem mesmo transformá-lo em um filme com inúmeras cenas bizarras e passagens de personagens medonhos fazem dele algo de grande importância no cinema brasileiro. Dado o devido crédito ao trabalho visual de "O Cheiro do Ralo", o que sobra é uma pretensão exacerbada que poderia ser vista em qualquer estudante entusiasmado de cinema, que sonha (e por vezes consegue) ter projeção em festivais afora. É um filme que poderia certamente passar batido se não fosse o nome de Dhalia nos créditos e uma atuação digna de Selton Mello.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cisne Negro [2010]


(de Darren Aronofsky. Black Swan, EUA, 2010) Com Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel,  Barbara Hershey, Winona Ryder. Cotação: *****

No balé O Lago dos Cisnes, a jovem princesa Odette sofre o feitiço de um mago e se transforma em um cisne. O tal feitiço só poderá ser quebrado caso um homem a ame exclusivamente. Um príncipe se dispõe a salvá-la, mas a ardilosa Odile o encanta, fazendo assim com que a promessa dele seja quebrada. Desiludida, a princesa se submete a um ato da morte, inconformada pela perda de seu amor. A bela obra do russo Tchaikovsky serve de pano de fundo para narrar o mais novo thriller psicológico de um cineasta que nunca decepciona: Darren Aronofsky, diretor responsável pelos brilhantes "Réquiem Para Um Sonho" e "Pi".

Seguindo sua cartilha visual e narrativa, Aronofsky adentra no consciente da bailarina Nina Sayers (Natalie Portman), que depois de anos dedicada numa companhia de dança, vê a grande oportunidade de realizar seu maior sonho: protagonizar O Lago dos Cisnes, após a demissão de Beth M. (Winona Ryder) das apresentações. Mas para isso, ela terá que conquistar a confiança do idealizador Thomas (Vincent Cassel) e a rivalidade da belíssima Lily (Mila Kunis).

Apesar de parecer uma obra simples, poucos se darão conta da densidade do filme. Não chega a ser tão sufocante como muitos vêm dizendo por aí (a fama do diretor e o hype formado pelo ambiente contribuem para isso), mas certamente não se trata de um simples sonho de uma garota ingênua sendo construído. "Cisne Negro" está muito acima disso.

Começando pela própria Nina, toda a sua dedicação à Arte é insuficiente para a conquista do papel que ela tanto almeja. Ensaiar por horas, prejudicar suas articulações, passar por toda a rotina do balé, que vai das técnicas a cada dia aprimoradas aos detalhes do figurino como a preparação dos sapatos, e ainda conviver com o mundo competitivo do balé, muitas vezes injusto por conta das poucas oportunidades de uma carreira tão curta. Mas ela enfrenta tudo isso sendo muito bem vista por seus superiores. Porém, toda a sua técnica está indo de acordo com Odette, o cisne branco. E para chegar ao encanto maquiavélico do cisne negro, ela terá que adquirir o que tanto falta nela: sensualidade.

Toda a construção feita pela busca dessa sensualidade é incitada pelo professor, que insinua a falta de libido da garota como um atraso para seu desenvolvimento. Por falar nisso, muito se falou sobre a cena de sexo entre Natalie Portman e Mila Kunis. Sinto decepcionar alguns, mas pelo alvoroço dado a essa cena, imaginava algo hiper revelador. Não é. Uma cena de sexo, que apesar de homossexual, está longe de chocar até mesmo os menos desencanados.

A transformação psicológica (ou seria busca?) de Nina é efetivamente a melhor coisa a se acompanhar em "Cisne Negro". Não que seja o único triunfo, mas analisar a forma como é feita a transição de personalidade – de uma garota infantilizada pela mãe a uma mulher capaz de escandalizar - é o grande barato do filme, que apresenta cenas do próprio balé e imagens oníricas para evidenciar esse processo.

Natalie Portman, extremamente magra, se entrega quase às últimas conseqüências em seu papel. Ainda não chega a ser seu melhor trabalho (em minha opinião, sua Alice Aires de "Closer – Perto Demais" ainda é o grande destaque), mas sua preparação corpórea e emocional para compor a bailarina com tantos desdobramentos já garante sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz, para não dizer antes do esperado que o prêmio já é dela.

A trilha sonora, o figurino e a fotografia, em conjunto, contribuem para essa sensação de inquietude. Aronofsky, mesmo quando não ousa para diferir-se de seu trabalho habitual, ainda é capaz de finalizar um filme de vida própria, e isso é justamente o que faz um diretor conseguir seu reconhecimento como um cineasta notável. Até mesmo os efeitos visuais dão ainda mais brilhantismo à coisa toda. A cena onde Natalie Portman se transforma enfim em Odile, o cisne negro, tem um trabalho visual que é de tirar o fôlego.

E é com essa belíssima cena que me atenho na lembrança de que "Cisne Negro" mantém o selo Aronofsky de qualidade.