segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Interiores [1978]


(de Woody Allen. Interiors, EUA, 1978) Com Geraldine Page, Diane Keaton, Mary Beth Hurt, Kristin Griffith, Sam Waterston, Richard Jordan, E.G. Marshall, Maureen Stapleton. Cotação: ***

O que faz de Woody Allen um cineasta completo talvez seja a sua forma de ousar em classificações de gêneros em seus filmes. Conhecido principalmente pelas suas obras de humor requintado ou até mesmo nosense, Allen demonstra em vários pontos de sua filmografia que se aventurar em novas abordagens de sua criatividade inquietante sempre resulta em uma boa surpresa. Por isso, ao ver "Interiores" – conhecido como o seu primeiro drama – pude admirar ainda mais o trabalho de um profissional que zela pela arte acima de quaisquer rotulações que poderia confrontar-se.

Quando Arthur (E.G. Marshall) decide se separar de Eve (Geraldine Page), mal ele sabia que estaria causando abalos estruturais em sua família. A própria esposa não recebe bem a notícia, entrando em depressão. Isso preocupa as filhas do casal. Renata (Diane Keaton), a mais velha, acaba por sofrer um bloqueio de criatividade frente à situação de seus pais. Poetisa de sucesso, ela está sempre encorajando sua mãe, suas irmãs e seu marido, um crítico que se sente fracassado. Flyn (Kristin Grifith), a filha do meio, é uma atriz de sucesso que pouco vê sua família por estar sempre em viagens de trabalho. E a caçula Joey (Mary Beth Hurt), vê com mais realismo (ou pessimismo) que os acontecimentos com sua família a levaram para uma análise existencialista de si mesma, que trazem ainda mais questões sobre sua relação interfamiliar. A situação se agrava quando o pai delas resolve se casar com a recém conhecida Pearl (Maureen Stapleton).

Eu particularmente não considero "Interiores" como “o primeiro filme sério de Woody Allen”, mas por um motivo particular. Em todas as suas comédias – umas mais, outras menos - tendem a trazer elementos que também têm seus tons de seriedade, de certa forma. Os tratos de várias questões filosóficas em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", por exemplo, não o torna menos sério do que este. Seria mais apropriado, portanto, dizer que "Interiores" é essencialmente um drama sob uma ótica inovadora de Allen, o que é mais próximo de sua pretensão. Com claras referências de Ingmar Bergman (a quem Woody é fã assumido), o filme traz a tona uma tristeza muitas vezes incômoda por estar sempre alternando dramas particulares com uma visão cada vez mais intimista.

Ele recorta uma família burguesa marcadamente intelectual e a isola para um foco bem restrito. Não vemos outros personagens senão aquelas pessoas, quase sempre em cômodos de suas casas, vivendo numa situação depressiva que culmina nas mais diversas situações. Fechados emocionalmente, os personagens passam a discutir cada vez mais, porém de uma forma nada digestiva. As discussões de relação são confessas, e a vontade que temos é de não querer testemunhar aqueles momentos, tamanha a carga dramática. Isso é um ponto importante para que um bom drama familiar funcione. E o tratamento dado pelo fotógrafo Gordon Willis de maneira tão fria colabora para esse clima.

Como sempre, podemos traçar o que deixa Woody Allen inquieto através de seus filmes. Aqui, o que mais aparece é a força que tem a criatividade (ou a falta dela) em um artista que se cobra, se pressiona. Cada vez mais reconhecido pelo seu trabalho (havia sido muito elogiado e premiado pelo seu filme anterior), Allen busca justificar seus receios de não ser bem compreendido, e por conta disso, não ser aceito artisticamente. Há também uma clara discussão sobre as visões teóricas de Freud numa discussão entre Joey e a personagem de Geraldine Page. Ela, aliás, demonstra toda a sua capacidade em um trabalho magnífico, juntamente com Maureen Stapleton - ambas foram indicadas ao Oscar de Atriz e Atriz Coadjuvante, respectivamente.

É um drama tão intelectual, que seus personagens chegam a ser pedantes. Mas o bom encaminhamento de Allen, as atuações femininas de destaque e os tratos técnicos fazem de "Interiores" um drama muito bem conduzido.

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