segunda-feira, 15 de novembro de 2010

The Rocky Horror Picture Show [1975]


(de Jim Sharman. Idem, Reino Unido / EUA, 1975) Com Tim Curry, Susan Sarandon, Barry Bostwick, Richard O'Brien, Patricia Quinn, Nell Campbell, Jonathan Adams, Peter Hinwood, Meat Loaf. Cotação: ***

Eis um verdadeiro clássico musical subversivo. Herdeiro de uma época onde musical se tornava um entretenimento popular, veio a idéia curiosa de se utilizar do rock n’ roll como trilha de um plot absurdo, onde as bizarrices que poderiam ser mau vistas pela maioria, viria a se tornar uma sucessão de cenas que são insistentemente cultuadas por fãs até hoje. A peça homônima do próprio Jim Sharman foi rapidamente adaptada para o cinema com poucas mudanças em relação ao próprio trabalho original. O filme se tornou um fracasso. Até que alguém teve uma idéia que fez com que a obra fosse redescoberta e imortalizada.

Ao assistiram o casamento de amigos, o casal Brad Majors (Barry Bostwick) e Janet Weiss (Susan Sarandon) resolve noivar-se. Ansiosos para contar a novidade para o Scott, amigo do casal, eles resolvem partir numa viagem com o tempo chuvoso e escuro. Em virtude de um pneu furado, eles se vêem obrigados a refugiar-se em um castelo estranho, com inúmeros seres medonhos. O dono do local, o transexual alienígena Frank-N-Furter (Tim Curry), trabalha numa criação a la Frankenstein, da qual resultará em uma criatura tida como o amante ideal e será chamado de Rocky Horror. O casal, antes ingênuo, será introduzido no mundo pervertido do Dr. Frank e seus criados vindos da Galáxia Transilvânia.

A idéia mencionada que foi fundamental para o sucesso que o filme possui hoje surgiu despretensiosamente, ao que parece. Depois do fracasso de público que "RHPS" teve, a intenção foi colocá-lo como um filme a ser exibido nos cinemas sempre a meia-noite. O sucesso foi tanto, que é possível encontrá-lo com a menção honrosa de filme recorde em tempo de exibição, afinal está no ar até hoje em alguns locais, com público o assistindo de pé e vangloriando uma peça/filme que com o passar dos anos - e principalmente hoje - é reconhecida como cult. Não é incompreensível, afinal, trata-se uma sátira às ficções científicas e aos filmes de horror, com todas as referências que tem direito: figuras monstruosas, efeitos especiais medonhos e uma trilha sonora efusiva. Natural que possua o título trash que tenha atualmente.

Da primeira musica (“Science Fiction/Double Feature”) até a última, vemos apresentações ótimas, devo reconhecer. A escolha da utilização do rock não seria uma novidade, mas da forma como o estilo foi tratado com as apresentações que contaram com figuras delirantes é digno de serem reconhecidos. O clima libertino é presente em todos os atos, graças a produção musical, que não só conta com músicas, mas é somada com atores, dançarinos, coreógrafos, cenógrafos, etc. Mas tudo isso serve como fiel adaptação dos números do teatro absurdo. Logo, não seria um elogio ao filme em si - que particularmente é bobo - mas ao próprio projeto delirante que é, e acaba funcionando muito bem como influente comportamental.

Apesar da presença de Meat Loaf arrebentando no talvez melhor número musical (“Hot Patootie, Bless My Soul") e de Susan Sarandon ainda em início de carreira, é inegável que o filme é de Tim Curry, protagonista do filme e da peça. Com seu icônico figurino composto de hobby que ao ser tirado nos apresenta uma insinuante cinta-liga, é cultuado por muitos que ainda vão às apresentações vestidos da mesma forma. Os trejeitos do personagem que ele compõe e a função de ambientar o clima hedonista e desordeiro promovem a "The Rocky Horror Picture Show" a sua popularidade, com suas apresentações que irão influenciar até mesmo em um episódio do musical juvenil "Glee" na sua segunda temporada

domingo, 14 de novembro de 2010

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa [1977]


(de Woody Allen. Annie Hall, EUA, 1977) Com Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Carol Kane, Shelley Duvall, Christopher Walken. Cotação: *****

Com sua brilhante filmografia, Woody Allen sempre encontrou uma forma de focar seus temas de maneira bem característica. Mas em meados de 1977, sua carreira sofre uma nova abordagem. Ele deixa os filmes classificados por ele de serem simples “comédias para fazer rir”, para filmar uma obra que, apesar de não abandonar sua veia cômica, iria apresentar questões inerentes de sua personalidade. Com uma leve tonalidade estética e uma crítica mordaz ao homem contemporâneo e seus feitos pouco aproveitáveis para a vida, Allen apresenta uma comédia romântica moderna que representou um marco na sua carreira pela ousadia temática nunca antes vista pelo grande público.

O filme apresenta os anos que o escritor Alvy Singer (Woody Allen) e a cantora Annie Hall (Diane Keaton) viveram juntos. Sem uma cronologia de espaço e tempo, vemos os momentos de descontração e discussões que o casal trava, sem uma forma habitual de desencadeamento de ações. Em dado momento, podemos vê-los discutindo como Alvy tende a culpar os problemas de comunicação à TPM de Annie. Em outro, vemos a forma descompromissada como eles se conheceram. Tudo muito bem montado pelo editor Ralph Rosenblum, o responsável pelo tema do filme, que inicialmente foi pensado para ser um suspense envolto a um assassinato. Mais tarde, Allen realizaria esse seu desejo filmando "Um Misterioso Assassinato em Manhattan" (de 1993), também estrelado por Diane Keaton.

Woody se comprometeu não só em apresentar um filme auto-reflexivo que fizesse as pessoas rirem, mas também de fazer utilizações antes não vistas no cinema habitual americano (com passagens que remeteriam talvez somente aos filmes alternativos europeus). Um exemplo é a utilização do split screen, uma técnica cinematográfica na qual a tela é divida em duas e ambas as cenas passam a co-existir numa mesma temática. Ele também encontra espaço para surgir, em vários momentos da história, virando-se para seu público, e dialeticamente, apresentar seus pensamentos de uma forma mordaz e hilária. Além de conversar com personagens de núcleos e temporalidades diferentes (o vemos conversar com os colegas de escola e com seus familiares enquanto eram ainda da forma como os conhecia na sua infância).

A ousadia deu certo, "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" foi sucesso entre os críticos, que sempre tiveram grande apreço pelo diretor. Foi também um sucesso avassalador de público, tendo batido recordes inimagináveis em Nova York. E as premiações seriam esperadas. No Oscar do ano seguinte, Woody Allen levou para casa a estatueta de Melhor Filme, Diretor, Roteiro (escrito juntamente com Marshall Brickman), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Ator (um feito impensável no qual um mesmo cineasta fosse indicado nas quatro principais categorias em um mesmo ano). Diane Keaton levou seu Oscar de Melhor Atriz, logicamente bem merecido.

Apesar das negativas de Woody, a obra possui muitos elementos autobiográficos, que provém de um possível envolvimento entre ele e Diane Keaton no início dos anos 70. O nome de batismo da atriz é Diane Hall; o apelido dela era Annie; Alvy é um comediante de stand up, assim como Woody começou sua carreira; e tanto o protagonista quanto o diretor são judeus, nascidos de uma família humilde do Brooklyn.

Mas "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" está muito além da apresentação de um romance moderno. É o primeiro filme de Allen que saltam aos olhos suas reflexões sobre anti-semitismo, masturbação, drogas, morte, vida, modismos, os pseudo-intelectuais nova-iorquinos, infância, psicanálise, medos, relações abertas e muitas outras questões. Além de demonstrar mais uma vez - porém de forma ainda mais verbal - seu amor por Nova York e seu desprezo pela Califórnia (principalmente L.A.).

Sua moral está em demonstrar que a vida, sendo um dual entre o horrível e o medíocre, contém inúmeras limitações (como a morte e a perda), mas que por outro lado, possui as formas de arte (cinema, literatura, teatro, música, artes plásticas) para nos fazer suportar essas limitações. Vem daí a interpretação de como o próprio Woody Allen faz para suportar sua vida em meio às mediocridades do mundo a sua volta: fazendo seus filmes, sua arte. E nós, meros admiradores de seu trabalho, agradecemos essa forma de comunicação.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Nova York, Eu Te Amo [2009]


Nova York, Eu Te Amo (de Fatih Akin, Yvan Attal, Randall Balsmeyer, Allen Hughes, Shunji Iwai, Wen Jiang, Shekhar Kapur, Joshua Marston, Mira Nair, Natalie Portman, Brett Ratner. New York, I Love You, EUA, 2009) Com Bradley Cooper, Andy Garcia, Hayden Christensen, Natalie Portman, Emilie Ohana, Orlando Bloom, Christina Ricci, Maggie Q, Ethan Hawke, James Caan, Drea de Matteo, Julie Christie, John Hurt, Shia LaBeouf, Chris Cooper, Robin Wright. Cotação: **

O projeto ‘Cities of Love’, idealizado pelo produtor Emmanuel Benbihy, pretende pegar várias megalópoles, convidar vários diretores e em pouco tempo montar alguns curtas metragens e juntá-los, fazendo um longa metragem que funciona como uma declaração de amor àquela cidade. Foi assim que surgiu o agradável "Paris, Je T'Aime". Mas ao contrário do que acontece no primeiro filme, onde os curtas eram independentes entre si, "Nova York, Eu Te Amo" é mais homogêneo estilisticamente, fazendo com que a obra não apresente as facetas de diretores tão diversificados.

Composto por 12 curtas metragens dirigidos por nomes de países de cinematografias mais sentimentais como Japão, China, Paquistão, Índia, Israel e outros, "Nova York, Eu Te Amo" apresenta uma verdadeira antologia urbana. Com histórias que vão desde a interessante conversa entre um indianista e uma judia; um rapaz inseguro que vai levar a filha de seu chefe para um baile de formatura; uma cantora lírica francesa que retorna à cidade; ou um bailarino que passa um agradável dia com sua filha. Estas e outras narrativas não pretendem se cruzar, e o único ponto em comum é a nítida supervalorização de Nova York.

Todas as pequenas histórias querem mostrar que as demonstrações amorosas podem acontecer em qualquer lugar de uma cidade tão multifacetada. Nos cafés, no táxi, no Central Park, no metrô e até mesmo nas vielas orientais. Mas de certo modo, há um indício de que o lugar, mesmo que tenha tantas culturas (“um lugar onde tem pessoas que vieram de vários lugares”, como diz uma personagem) é mais fácil acontecer quando elas são brancas, longes de regiões periféricas (como Bronx, Harlem) e heterossexuais.

Como em toda antologia, existem aqueles contos que agradam mais e outros menos. Para mim, a parte dedicada ao músico que é forçado a tentar ler "Os Irmãos Karamazov" e "Crime e Castigo" de Dostoiévski, e o casal que tenta lidar com o dia seguinte após uma noite prazerosa, são os mais agradáveis. Curiosamente são os menos comprometidos com uma palheta mais artística, enquanto os que possuem essa intenção, como o curta escrito por Anthony Minghella (a quem o filme é dedicado), e a estréia de Natalie Portman na direção, são os mais enfadonhos. Não que obrigatoriamente todos tenham que ser bons, mas obviamente, têm que cumprir suas funções e mostrar a que veio. E nem todos possuem fôlego para isso.

O projeto das declarações às cidades certamente não vai servir para uma harmonização mundial através do amor. Longe disso. É nítido que o tratamento é mais ligado à arte com seu direcionamento mais publicitário. Porém, podemos apreciar cenas tocantes, que podem nos surpreender e até mesmo nos fazer acreditar na ilusão de um ambiente tão mágico quanto Nova York é. Mas, conhecendo os filmes de Woody Allen, um adorador nova-iorquino convicto, essa idealização já é suficiente.

Em breve, o projeto passará por Xangai, Jerusalém, Mumbai e Rio de Janeiro. Só espero os cariocas tenham coisa melhor.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Liberdade é Azul [1993]


(de Krzysztof Kieslowski. Trois Couleurs: Bleu, França / Polônia / Suíça, 1993) Com Juliette Binoche, Benoît Régent, Florence Pernel, Charlotte Véry. Cotação: *****

Liberdade é uma palavra que certamente nos remete a algo bom. Por essa razão, se torna quase  incompreensível ver um filme que carrega tanto no título quanto no lema da Revolução Francesa um mote tão triste e perturbador. Falando a título de curiosidade, a palavra em inglês "blue" se refere à cor, mas também ao sentimento de melancolia. E é nessa última concepção que "A Liberdade é Azul" vai trabalhar, mas não de uma maneira tão entregue. Contém inúmeras referências psicológicas e filosóficas nesse trabalho de Krzysztof Kieslowski, que abre a sua Trilogia das Cores, uma homenagem aos ideais da bandeira francesa, e que é precedido pelos filmes "A Igualdade é Branca" e "A Fraternidade é Vermelha".

O filme mostra a dor de Julie (Juliette Binoche, em talvez seu melhor trabalho no cinema), única sobrevivente do acidente de carro que mata seu marido e sua filha de apenas cinco anos. Traumatizada, ela tenta sem sucesso se suicidar. Ela vê então que a única forma de se libertar de sua dor é livrar-se de tudo o que remete a sua família, abrindo mão da casa, dos objetos e passando a viver num apartamento do subúrbio. Porém, uma orquestra inacabada que fora encomenda ao seu falecido marido – que era um compositor erudito – faz com que ela descubra que não há como fugir de suas descobertas e sentimentos que tanto evitara.

Como dito, tratar de liberdade com tanto drama pode parecer incompreensível de início, mas a libertação de Julie está justamente no momento em que ela se vê sem sua família, sozinha e deprimida. Sua rota de fuga, um inteiro desvencilhamento de suas coisas, de tudo o que lembrava sua família, se mostra fracassada quando ela conclui que nada adianta fugir do sentimento de profunda tristeza. As relações humanas com as quais ela passa a ter, pouco irão suceder uma nova vida. Ela sempre será a mesma mulher que, segundo ela mesma diz, é “tão normal quanto as outras, que transpira, que tosse e que tem cáries.”, porém, sua revolta está justamente em não conseguir fazer o considerado natural: chorar.

Tecnicamente falando, "A Liberdade é Azul" é perfeito. Uma verdadeira aula que o cinema europeu – em especial o francês – sempre mostra com propriedade. A fotografia azulada demonstra que o recado foi muito bem compreendido pelo experiente Slawomir Idziak. Há toda uma utilização fotográfica que casa inteiramente com o perfil da obra, assim como a trilha sonora caracterizada por várias inserções da música parcialmente composta pelo marido de Julie, além de ser executada nos momentos das leituras da partitura, o que foi bem pensado.

De natureza extremamente triste, "A Liberdade é Azul" não pretende ensinar aos que o assiste o verdadeiro ideal defendido na Revolução Francesa, mas de forma inteiramente pessoal, uma nova forma de trabalhar a raiz dessa palavra. O filme é, tem a pretensão de ser e - o principal - consegue ter êxito no que propõe: demonstrar que a liberdade da protagonista está justamente no momento em que ela vê que a fuga que pretendia não é a melhor forma de conter seus sentimentos. Kieslowski possibilita essa questão através de uma atmosfera incrivelmente intimista e pondo em evidência o que ele deve achar algo bem empático: o semblante de Juliette Binoche.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Trainspotting – Sem Limites [1996]


(de Danny Boyle. Trainspotting, Reino Unido, 1996) Com Ewan McGregor, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller, Kevin McKidd, Robert Carlyle, Kelly Macdonald. Cotação: *****

Polêmico. Esse já seria um adjetivo que resumiria muito bem essa obra de Danny Boyle, baseado no livro homônimo de John Hodge, de 1993. Aclamado pela crítica e logo tido como um dos filmes mais queridos dos anos 90, "Trainspotting" passou por severas críticas, acusado de incentivar a violência e o uso de drogas. Ainda assim, o marco imprevisível que um filme pode causar numa sociedade que cultua o pop subversivo provém principalmente de todo um trabalho formidável. Eis o exemplo.

Na clubber Edimburgo, Renton (Ewan McGregor) relata sua amizade com Spud, Sick Boy, Tommy e o alcoólatra Begbie. A relação do grupo se faz com muita festa e o uso excessivo de heroína, uma droga que acarreta num nefasto efeito na vida de cada um. Apesar das várias tentativas de abandonar a droga, Renton sempre acaba voltando ao círculo autodestrutivo. Nessa busca desenfreada por prazer, os amigos convivem com furtos, tráfico, prostituição e violência. E o provável final deles pode não ser tão agradável quanto planejam ter.

Logo no início, o prólogo narrado pelo personagem de Ewan McGregor diz que somos livres para fazermos as mais variadas escolhas, porém, qual seria a razão de ter uma vida aparentemente subjugada numa sociedade moderna com todos os seus padrões e suas incalculáveis formas de sobreviver normalmente se existe um artifício que pode produzir em nós o verdadeiro sentido da felicidade: a heroína. A partir dessa introdução, poderíamos até acusar "Trainspotting" de uma glamorização da droga, mesmo sem projetar que o que viria a seguir seria o lado abusivo de um grupo de jovens que serve como um retrato da geração que o filme tenta atingir.

Mas tentando se despir ao máximo de moralismos, Boyle - auxiliado pela obra fenomenal de Hodge - consegue mostrar o lado obscuro disso tudo. Como se não fosse suficiente, o diretor ainda quer jogar em nossa cara o perverso caminho que um vício pode nos puxar, sempre nos fazendo crer que, para cada escolha que façamos, o resultado delas pode vir de maneira extremamente pesada. No decorrer de "Trainspotting", a gama de sentimentos que chega até nós é variada. Do nojento para o prazeroso, do repulsivo para o manifesto. Boyle não quer brincar com entrelinhas, tudo é atirado – e com força – para toda uma sociedade julgar. Sobra até para os escoceses em um monólogo de Renton.

A trilha sonora milimetricamente bem casada com o desenrolar dos acontecimentos dessa montanha russa de apreensões funciona perfeitamente para a vibração que o filme sustenta, assim como a montagem tão frenética, todas as referência cults e a nova linguagem de videoclipe que tomou a década de 90. É um filme necessário em bons debates sobre o tema, se tornando obrigatório quando a discussão perpassa o levantamento de questões onde a moralidade toma forma.

Boyle prova que ela (a moralidade) não julga tão bem quanto nos foi ensinado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Um Assaltante Bem Trapalhão [1969]


(de Woody Allen. Take the Money and Run, EUA, 1969) Com Woody Allen, Janet Margolin, Marcel Hillaire, Jacquelyn Hyde. Cotação: ****

Apesar do péssimo título que recebeu aqui no Brasil, "Um Assaltante Bem Trapalhão" é um filme que merece ser dada a devida atenção. Não só pela importância na filmografia de Woody Allen, já que é o primeiro inteiramente dirigido pelo cineasta, mas também por ser referência em um tipo de comédia que mais tarde viria a ser utilizada em grandes clássicos do humor nosense, em filmes como "Corra Que A Polícia Vem Aí", "Apertem Os Cintos... O Piloto Sumiu" e nos esquetes da série "Monty Python".

O filme é esquematizado como um falso documentário, sendo narrada, inteiramente em off, a história de Virgil Starkwell (Woody Allen). Desde sua infância sendo perseguido, passando pela juventude em busca de ser alguém talentoso. Com seu complexo de inferioridade herdado pelo fracasso em todas as tentativas de se sobressair em algo, resolve ser assaltante de banco. Mas assim como o título sugere, as trapalhadas de Virgi fazem com que ele acabe sendo preso. Já fora da prisão graças a liberdade condicional, conhece a lavadeira Louise (Janet Margolin), e o amor faz com que ele tente mudar de vida mesmo sendo seduzido a tentar uma carreira criminal de sucesso.

A ironia de Woody Allen se encontra por vezes bem clara em sua forma. A sociedade americana prega os ideais heróicos como forma de promoção do “homem íntegro”. O personagem de Allen tenta buscar - mesmo que às avessas - exatamente isso: o reconhecimento de seu trabalho sujo. Em certo momento do filme, no depoimento da esposa Louise, ela diz que seu marido se encontrava deprimido por nunca ter sido um dos 10 assaltantes mais procurados do FBI.

Assim como o personagem, Woody Allen é considerado até então um profissional trapalhado entre os outros cineastas de sua época, e demonstra originalidade em suas gags e humildade em assumir que sua única intenção é simplesmente divertir seu espectador sem representar, contudo, falta de qualidade em seu roteiro, por mais absurdas que algumas cenas possam parecer. A intenção autobiográfica pode ser intencional, já que a data de nascimento do personagem é a mesma que a do diretor.

A característica cômica vigente no início da carreira de Woody Allen está aqui inteiramente pré-firmada. É o início do retrato do “homem neurótico e complexado” que deu certo e nos é apresentado ano a ano através de seus filmes até hoje. Ainda há poucos momentos de reflexão particular, mas as sequências de boas gags (outra característica sendo apresentada) são freqüentes. A mais famosa delas é a utilização de uma pedra de sabão e graxa de sapato para fabricar uma arma que derreterá na chuva no momento errado. Os depoimentos dos pais de Virgi (mascarados por terem vergonha do filho mafioso) garantem também os melhores momentos das falas de seus familiares, amigos e comparsas.

É rir do absurdo, mas com total inteligência.